Legislação
lei 10436 de 24 de abril de 2002.
Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS
Lei Nº 10.436, de 24 de Abril de 2002
Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º - É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único - Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual - motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüistico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2º - Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º - As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art.4º - O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, conforme legislação vigente.
Parágrafo único - A Língua Brasileira de Sinais – Língua não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.
Art5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de Abril de 2002; 181º da independência 114º da República.
Fernando Henrique Cardoso
Presidente do Brasil
DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e no art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o Este Decreto regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Art. 2o Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
CAPÍTULO II
DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR
Art. 3o A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério.
§ 2o A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
CAPÍTULO III
DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LIBRAS E DO INSTRUTOR DE LIBRAS
Art. 4o A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua.
Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 5o A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe.
§ 1o Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 6o A formação de instrutor de Libras, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições credenciadas por secretarias de educação.
§ 1o A formação do instrutor de Libras pode ser realizada também por organizações da sociedade civil representativa da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por pelo menos uma das instituições referidas nos incisos II e III.
§ 2o As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput.
Art. 7o Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja docente com título de pós-graduação ou de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos um dos seguintes perfis:
I - professor de Libras, usuário dessa língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;
II - instrutor de Libras, usuário dessa língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;
III - professor ouvinte bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.
§ 1o Nos casos previstos nos incisos I e II, as pessoas surdas terão prioridade para ministrar a disciplina de Libras.
§ 2o A partir de um ano da publicação deste Decreto, os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério.
Art. 8o O exame de proficiência em Libras, referido no art. 7o, deve avaliar a fluência no uso, o conhecimento e a competência para o ensino dessa língua.
§ 1o O exame de proficiência em Libras deve ser promovido, anualmente, pelo Ministério da Educação e instituições de educação superior por ele credenciadas para essa finalidade.
§ 2o A certificação de proficiência em Libras habilitará o instrutor ou o professor para a função docente.
§ 3o O exame de proficiência em Libras deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em Libras, constituída por docentes surdos e lingüistas de instituições de educação superior.
Art. 9o A partir da publicação deste Decreto, as instituições de ensino médio que oferecem cursos de formação para o magistério na modalidade normal e as instituições de educação superior que oferecem cursos de Fonoaudiologia ou de formação de professores devem incluir Libras como disciplina curricular, nos seguintes prazos e percentuais mínimos:
I - até três anos, em vinte por cento dos cursos da instituição;
II - até cinco anos, em sessenta por cento dos cursos da instituição;
III - até sete anos, em oitenta por cento dos cursos da instituição; e
IV - dez anos, em cem por cento dos cursos da instituição.
Parágrafo único. O processo de inclusão da Libras como disciplina curricular deve iniciar-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia, Pedagogia e Letras, ampliando-se progressivamente para as demais licenciaturas.
Art. 10. As instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a educação básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Art. 11. O Ministério da Educação promoverá, a partir da publicação deste Decreto, programas específicos para a criação de cursos de graduação:
I - para formação de professores surdos e ouvintes, para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que viabilize a educação bilíngüe: Libras - Língua Portuguesa como segunda língua;
II - de licenciatura em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa, como segunda língua para surdos;
III - de formação em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Art. 12. As instituições de educação superior, principalmente as que ofertam cursos de Educação Especial, Pedagogia e Letras, devem viabilizar cursos de pós-graduação para a formação de professores para o ensino de Libras e sua interpretação, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 13. O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O tema sobre a modalidade escrita da língua portuguesa para surdos deve ser incluído como conteúdo nos cursos de Fonoaudiologia.
CAPÍTULO IV
DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O
ACESSO DAS PESSOAS SURDAS À EDUCAÇÃO
Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior.
§ 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput, as instituições federais de ensino devem:
I - promover cursos de formação de professores para:
a) o ensino e uso da Libras;
b) a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa; e
c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas;
II - ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos;
III - prover as escolas com:
a) professor de Libras ou instrutor de Libras;
b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;
c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e
d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos;
IV - garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização;
V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos;
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos;
VIII - disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva.
§ 2o O professor da educação básica, bilíngüe, aprovado em exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, pode exercer a função de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, cuja função é distinta da função de professor docente.
§ 3o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar atendimento educacional especializado aos alunos surdos ou com deficiência auditiva.
Art. 15. Para complementar o currículo da base nacional comum, o ensino de Libras e o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos, devem ser ministrados em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como:
I - atividades ou complementação curricular específica na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; e
II - áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares, nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior.
Art. 16. A modalidade oral da Língua Portuguesa, na educação básica, deve ser ofertada aos alunos surdos ou com deficiência auditiva, preferencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, resguardado o direito de opção da família ou do próprio aluno por essa modalidade.
Parágrafo único. A definição de espaço para o desenvolvimento da modalidade oral da Língua Portuguesa e a definição dos profissionais de Fonoaudiologia para atuação com alunos da educação básica são de competência dos órgãos que possuam estas atribuições nas unidades federadas.
CAPÍTULO V
DA FORMAÇÃO DO TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS - LÍNGUA PORTUGUESA
Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras - Língua Portuguesa.
Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por secretarias de educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.
Art. 19. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, caso não haja pessoas com a titulação exigida para o exercício da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, as instituições federais de ensino devem incluir, em seus quadros, profissionais com o seguinte perfil:
I - profissional ouvinte, de nível superior, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação em instituições de ensino médio e de educação superior;
II - profissional ouvinte, de nível médio, com competência e fluência em Libras para realizar a interpretação das duas línguas, de maneira simultânea e consecutiva, e com aprovação em exame de proficiência, promovido pelo Ministério da Educação, para atuação no ensino fundamental;
III - profissional surdo, com competência para realizar a interpretação de línguas de sinais de outros países para a Libras, para atuação em cursos e eventos.
Parágrafo único. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Art. 20. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, o Ministério da Educação ou instituições de ensino superior por ele credenciadas para essa finalidade promoverão, anualmente, exame nacional de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O exame de proficiência em tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, lingüistas e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.
Art. 21. A partir de um ano da publicação deste Decreto, as instituições federais de ensino da educação básica e da educação superior devem incluir, em seus quadros, em todos os níveis, etapas e modalidades, o tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, para viabilizar o acesso à comunicação, à informação e à educação de alunos surdos.
§ 1o O profissional a que se refere o caput atuará:
I - nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino;
II - nas salas de aula para viabilizar o acesso dos alunos aos conhecimentos e conteúdos curriculares, em todas as atividades didático-pedagógicas; e
III - no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim da instituição de ensino.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
CAPÍTULO VI
DA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS SURDAS OU
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:
I - escolas e classes de educação bilíngüe, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngües, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;
II - escolas bilíngües ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade lingüística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.
§ 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo.
§ 2o Os alunos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementação curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de informação.
§ 3o As mudanças decorrentes da implementação dos incisos I e II implicam a formalização, pelos pais e pelos próprios alunos, de sua opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras.
§ 4o O disposto no § 2o deste artigo deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.
Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.
§ 1o Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo.
§ 2o As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
Art. 24. A programação visual dos cursos de nível médio e superior, preferencialmente os de formação de professores, na modalidade de educação a distância, deve dispor de sistemas de acesso à informação como janela com tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa e subtitulação por meio do sistema de legenda oculta, de modo a reproduzir as mensagens veiculadas às pessoas surdas, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2 de dezembro de 2004.
CAPÍTULO VII
DA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS SURDAS OU
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, na perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, prioritariamente aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando:
I - ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva;
II - tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as especificidades de cada caso;
III - realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para a área de educação;
IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado;
V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica;
VI - atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional;
VII - atendimento fonoaudiológico às crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno;
VIII - orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa;
IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação; e
X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.
§ 1o O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos ou com deficiência auditiva não usuários da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, do Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as medidas referidas no art. 3o da Lei no 10.436, de 2002, como meio de assegurar, prioritariamente, aos alunos surdos ou com deficiência auditiva matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas.
CAPÍTULO VIII
DO PAPEL DO PODER PÚBLICO E DAS EMPRESAS QUE DETÊM CONCESSÃO OU PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, NO APOIO AO USO E DIFUSÃO DA LIBRAS
Art. 26. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público, as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, realizados por servidores e empregados capacitados para essa função, bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o Decreto no 5.296, de 2004.
§ 1o As instituições de que trata o caput devem dispor de, pelo menos, cinco por cento de servidores, funcionários e empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.
§ 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, e as empresas privadas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar às pessoas surdas ou com deficiência auditiva o tratamento diferenciado, previsto no caput.
Art. 27. No âmbito da administração pública federal, direta e indireta, bem como das empresas que detêm concessão e permissão de serviços públicos federais, os serviços prestados por servidores e empregados capacitados para utilizar a Libras e realizar a tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa estão sujeitos a padrões de controle de atendimento e a avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, sob a coordenação da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em conformidade com o Decreto no 3.507, de 13 de junho de 2000.
Parágrafo único. Caberá à administração pública no âmbito estadual, municipal e do Distrito Federal disciplinar, em regulamento próprio, os padrões de controle do atendimento e avaliação da satisfação do usuário dos serviços públicos, referido no caput.
CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 28. Os órgãos da administração pública federal, direta e indireta, devem incluir em seus orçamentos anuais e plurianuais dotações destinadas a viabilizar ações previstas neste Decreto, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 29. O Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no âmbito de suas competências, definirão os instrumentos para a efetiva implantação e o controle do uso e difusão de Libras e de sua tradução e interpretação, referidos nos dispositivos deste Decreto.
Art. 30. Os órgãos da administração pública estadual, municipal e do Distrito Federal, direta e indireta, viabilizarão as ações previstas neste Decreto com dotações específicas em seus orçamentos anuais e plurianuais, prioritariamente as relativas à formação, capacitação e qualificação de professores, servidores e empregados para o uso e difusão da Libras e à realização da tradução e interpretação de Libras - Língua Portuguesa, a partir de um ano da publicação deste Decreto.
Art. 31. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de dezembro de 2005; 184o da Independência e 117o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
LEI No- 12.319, DE 1o- DE SETEMBRO DE 2010
Regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete
da Língua Brasileira de Sinais -
LIBRAS.
O P R E S I D E N T E D A R E P Ú B L I C A
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei regulamenta o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS.
Art. 2o O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa.
Art. 3o ( VETADO)
Art. 4o A formação profissional do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional reconhecidos pelo Sistema
que os credenciou;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por Secretarias de Educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III.
Art. 5o Até o dia 22 de dezembro de 2015, a União, diretamente ou por intermédio de credenciadas, promoverá, anualmente, exame nacional de proficiência em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa.
Parágrafo único. O exame de proficiência em Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento dessa função, constituída por docentes surdos, linguistas e tradutores e intérpretes de Libras de instituições de educação superior.
Art. 6o São atribuições do tradutor e intérprete, no exercício de suas competências:
I - efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdos-cegos, surdos-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa;
II - interpretar, em Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa, as atividades didático-pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental, médio e superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares;
III - atuar nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino e nos concursos públicos;
IV - atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades- fim das instituições de ensino e repartições públicas; e
V - prestar seus serviços em depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou policiais.
Art. 7o O intérprete deve exercer sua profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e à cultura do surdo e, em especial:
I - pela honestidade e discrição, protegendo o direito de sigilo da informação recebida;
II - pela atuação livre de preconceito de origem, raça, credo religioso, idade, sexo ou orientação sexual ou gênero;
III - pela imparcialidade e fidelidade aos conteúdos que lhe couber traduzir;
IV - pelas postura e conduta adequadas aos ambientes que frequentar por causa do exercício profissional;
V - pela solidariedade e consciência de que o direito de expressão é um direito social, independentemente da condição social e econômica daqueles que dele necessitem;
VI - pelo conhecimento das especificidades da comunidade surda.
Art. 8o ( VETADO)
Art. 9o ( VETADO)
Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 1º de setembro de 2010; 189o da Independência e
122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Fernando Haddad
Carlos Lupi
Paulo de Tarso Vanucchi
LEI Nº 10.098 - DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000 - DOU DE 20/12/2000
Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I -
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.
Art. 2º
Art. 2º Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:
I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:
a) barreiras arquitetônicas urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos espaços de uso público;
b) barreiras arquitetônicas na edificação: as existentes no interior dos edifícios públicos e privados;
c) barreiras arquitetônicas nos transportes: as existentes nos meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa;
III – pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida: a que temporária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utilizá-lo;
IV – elemento da urbanização: qualquer componente das obras de urbanização, tais como os referentes a pavimentação, saneamento, encanamentos para esgotos, distribuição de energia elétrica, iluminação pública, abastecimento e distribuição de água, paisagismo e os que materializam as indicações do planejamento urbanístico;
V – mobiliário urbano: o conjunto de objetos existentes nas vias e espaços públicos, superpostos ou adicionados aos elementos da urbanização ou da edificação, de forma que sua modificação ou traslado não provoque alterações substanciais nestes elementos, tais como semáforos, postes de sinalização e similares, cabines telefônicas, fontes públicas, lixeiras, toldos, marquises, quiosques e quaisquer outros de natureza análoga;
VI – ajuda técnica: qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite o acesso e o uso de meio físico.
CAPÍTULO II -
DOS ELEMENTOS DA URBANIZAÇÃO
Art. 3º
Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art. 4º
Art. 4º As vias públicas, os parques e os demais espaços de uso público existentes, assim como as respectivas instalações de serviços e mobiliários urbanos deverão ser adaptados, obedecendo-se ordem de prioridade que vise à maior eficiência das modificações, no sentido de promover mais ampla acessibilidade às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art. 5º
Art. 5º O projeto e o traçado dos elementos de urbanização públicos e privados de uso comunitário, nestes compreendidos os itinerários e as passagens de pedestres, os percursos de entrada e de saída de veículos, as escadas e rampas, deverão observar os parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
Art. 6º
Art. 6º Os banheiros de uso público existentes ou a construir em parques, praças, jardins e espaços livres públicos deverão ser acessíveis e dispor, pelo menos, de um sanitário e um lavatório que atendam às especificações das normas técnicas da ABNT.
Art. 7º
Art. 7º Em todas as áreas de estacionamento de veículos, localizadas em vias ou em espaços públicos, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção.
Parágrafo único. As vagas a que se refere o caput deste artigo deverão ser em número equivalente a dois por cento do total, garantida, no mínimo, uma vaga, devidamente sinalizada e com as especificações técnicas de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes.
CAPÍTULO III -
DO DESENHO E DA LOCALIZAÇÃO DO MOBILIÁRIO URBANO
Art. 8º
Art. 8º Os sinais de tráfego, semáforos, postes de iluminação ou quaisquer outros elementos verticais de sinalização que devam ser instalados em itinerário ou espaço de acesso para pedestres deverão ser dispostos de forma a não dificultar ou impedir a circulação, e de modo que possam ser utilizados com a máxima comodidade.
Art. 9º
Art. 9º Os semáforos para pedestres instalados nas vias públicas deverão estar equipados com mecanismo que emita sinal sonoro suave, intermitente e sem estridência, ou com mecanismo alternativo, que sirva de guia ou orientação para a travessia de pessoas portadoras de deficiência visual, se a intensidade do fluxo de veículos e a periculosidade da via assim determinarem.
Art.10.
Art.10. Os elementos do mobiliário urbano deverão ser projetados e instalados em locais que permitam sejam eles utilizados pelas pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
CAPÍTULO IV -
DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS PÚBLICOS OU DE USO COLETIVO
Art.11.
Art.11. A construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser executadas de modo que sejam ou se tornem acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, na construção, ampliação ou reforma de edifícios públicos ou privados destinados ao uso coletivo deverão ser observados, pelo menos, os seguintes requisitos de acessibilidade:
I – nas áreas externas ou internas da edificação, destinadas a garagem e a estacionamento de uso público, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção permanente;
II – pelo menos um dos acessos ao interior da edificação deverá estar livre de barreiras arquitetônicas e de obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade de pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
III – pelo menos um dos itinerários que comuniquem horizontal e verticalmente todas as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior, deverá cumprir os requisitos de acessibilidade de que trata esta Lei; e
IV – os edifícios deverão dispor, pelo menos, de um banheiro acessível, distribuindo-se seus equipamentos e acessórios de maneira que possam ser utilizados por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art.12.
Art.12. Os locais de espetáculos, conferências, aulas e outros de natureza similar deverão dispor de espaços reservados para pessoas que utilizam cadeira de rodas, e de lugares específicos para pessoas com deficiência auditiva e visual, inclusive acompanhante, de acordo com a ABNT, de modo a facilitar-lhes as condições de acesso, circulação e comunicação.
CAPÍTULO V -
DA ACESSIBILIDADE NOS EDIFÍCIOS DE USO PRIVADO
Art.13.
Art.13. Os edifícios de uso privado em que seja obrigatória a instalação de elevadores deverão ser construídos atendendo aos seguintes requisitos mínimos de acessibilidade:
I – percurso acessível que una as unidades habitacionais com o exterior e com as dependências de uso comum;
II – percurso acessível que una a edificação à via pública, às edificações e aos serviços anexos de uso comum e aos edifícios vizinhos;
III – cabine do elevador e respectiva porta de entrada acessíveis para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art.14.
Art.14. Os edifícios a serem construídos com mais de um pavimento além do pavimento de acesso, à exceção das habitações unifamiliares, e que não estejam obrigados à instalação de elevador, deverão dispor de especificações técnicas e de projeto que facilitem a instalação de um elevador adaptado, devendo os demais elementos de uso comum destes edifícios atender aos requisitos de acessibilidade.
Art.15.
Art.15. Caberá ao órgão federal responsável pela coordenação da política habitacional regulamentar a reserva de um percentual mínimo do total das habitações, conforme a característica da população local, para o atendimento da demanda de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
CAPÍTULO VI -
DA ACESSIBILIDADE NOS VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO
Art.16.
Art.16. Os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas.
CAPÍTULO VII -
DA ACESSIBILIDADE NOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO E SINALIZAÇÃO
Art.17.
Art.17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
Art.18.
Art.18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação.
Art.19.
Art.19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.
CAPÍTULO VIII -
DISPOSIÇÕES SOBRE AJUDAS TÉCNICAS
Art.20.
Art.20. O Poder Público promoverá a supressão de barreiras urbanísticas, arquitetônicas, de transporte e de comunicação, mediante ajudas técnicas.
Art.21.
Art.21. O Poder Público, por meio dos organismos de apoio à pesquisa e das agências de financiamento, fomentará programas destinados:
I – à promoção de pesquisas científicas voltadas ao tratamento e prevenção de deficiências;
II – ao desenvolvimento tecnológico orientado à produção de ajudas técnicas para as pessoas portadoras de deficiência;
III – à especialização de recursos humanos em acessibilidade.
CAPÍTULO IX -
DAS MEDIDAS DE FOMENTO À ELIMINAÇÃO DE BARREIRAS
Art.22.
Art.22. É instituído, no âmbito da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Acessibilidade, com dotação orçamentária específica, cuja execução será disciplinada em regulamento.
CAPÍTULO X -
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art.23.
Art.23. A Administração Pública federal direta e indireta destinará, anualmente, dotação orçamentária para as adaptações, eliminações e supressões de barreiras arquitetônicas existentes nos edifícios de uso público de sua propriedade e naqueles que estejam sob sua administração ou uso.
Parágrafo único. A implementação das adaptações, eliminações e supressões de barreiras arquitetônicas referidas no caput deste artigo deverá ser iniciada a partir do primeiro ano de vigência desta Lei.
Art.24.
Art.24. O Poder Público promoverá campanhas informativas e educativas dirigidas à população em geral, com a finalidade de conscientizá-la e sensibilizá-la quanto à acessibilidade e à integração social da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art.25.
Art.25. As disposições desta Lei aplicam-se aos edifícios ou imóveis declarados bens de interesse cultural ou de valor histórico-artístico, desde que as modificações necessárias observem as normas específicas reguladoras destes bens.
Art.26.
Art.26. As organizações representativas de pessoas portadoras de deficiência terão legitimidade para acompanhar o cumprimento dos requisitos de acessibilidade estabelecidos nesta Lei.
Art.27.
Art.27. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de dezembro de 2000; 179º da Independência e 112º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Gregori
PORTARIA Nº 2.344, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2010
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS
PORTARIA Nº 2.344, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2010
DOU de 05/11/2010 (nº 212, Seção 1, pág. 4)
O MINISTRO DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições legais, faz publicar a Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE, que altera dispositivos da
www.fiscolex.com.br/doc_ 396310_RESOLUCAO_N_35_6_JULHO_ 2005.aspx Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, que dispõe sobre seu Regimento Interno:
Art. 1º - Esta portaria dá publicidade às alterações promovidas pela Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE em seu Regimento Interno.
Art. 2º - Atualiza a nomenclatura do Regimento Interno do CONADE, aprovado pela www.fiscolex.com.br/doc_ 396310_RESOLUCAO_N_35_6_JULHO_ 2005.aspx Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, nas seguintes hipóteses:
I - Onde se lê "Pessoas Portadoras de Deficiência", leia-se "Pessoas com Deficiência";
II - Onde se lê "Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República", leia-se "Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República";
III - Onde se lê "Secretário de Direitos Humanos", leia-se "Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República";
IV - Onde se lê "Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", leia-se "Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência";
V - Onde se lê "Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", leia-se "Política Nacional para Inclusão da Pessoa com Deficiência";
Art. 3º - Os artigos 1º, 3º, 5º, 9º e 11, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 1º -
XI - atuar como instância de apoio, em todo território nacional, nos casos de requerimentos, denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade, quando ocorrer ameaça ou violação de direitos da pessoa com deficiência, assegurados na Constituição Federal, na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências e demais legislações aplicáveis;
XII - participar do monitoramento e implementação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, para que os direitos e garantias que esta estabelece sejam respeitados, protegidos e promovidos;
Art. 3º - Os representantes das organizações nacionais, de e para pessoa com deficiência na forma do inciso II, alínea a, do art. 2º, serão escolhidos dentre os que atuam nas seguintes áreas:
II - um na área da deficiência auditiva e/ou surdez;
IV - dois na área da deficiência mental e/ou intelectual;
Art. 5º - As organizações nacionais de e para pessoas com deficiência serão representadas por entidades eleitas em Assembléia Geral convocada para esta finalidade e indicarão os membros titulares e suplentes.
§ 1º - As entidades eleitas e os representantes indicados terão mandato de dois anos, a contar da data de posse, podendo ser reconduzidos.
§ 2º - A eleição será convocada pelo CONADE, por meio de edital publicado no Diário Oficial da União, no mínimo 90 (noventa) dias antes do término do mandato.
§ 4º - O edital de convocação das entidades privadas sem fins lucrativos e de âmbito nacional exigirá para a habilitação de candidatos e eleitores, que tenham filiadas organizadas em pelo menos cinco estados da federação, distribuídas, no mínimo, por três regiões do País.
§ 6º - O processo eleitoral será conduzido por Comissão Eleitoral formada por um representante do CONADE eleito para esse fim, um representante do Ministério Público Federal e outro da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência - SNPD, especialmente convidados para esse fim.
Art. 9º - Os Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos da Pessoa com Deficiência serão representados por conselheiros eleitos nas respectivas Assembléias Gerais estaduais ou municipais, convocadas para esta finalidade.
Parágrafo único - O Edital de Convocação para a habilitação dos Conselhos Estaduais e Municipais será publicado em Diário Oficial pelo menos 90 (noventa) dias antes do início dos novos mandatos e definirá as regras da eleição, exigindo que os candidatos comprovem estar em pleno funcionamento, ter composição paritária e caráter deliberativo.
Art. 11 -
§ 1º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente dar-se-á mediante escolha, dentre seus membros, por voto de maioria simples, para cumprirem mandato de dois anos.
§ 4º - Fica assegurada a representação do Governo e da Sociedade Civil na Presidência e na Vice-Presidência do CONADE e a alternância dessas representações em cada mandato, respeitada a paridade.
§ 6º - Caso haja vacância do cargo de Presidente, o Vice- Presidente assumirá e convocará eleição para escolha do novo Presidente, a fim de complementar o respectivo mandato, observado o disposto no § 4º deste artigo.
§ 7º - No caso de vacância da Vice-Presidência, o Plenário elegerá um de seus membros para exercer o cargo, a fim de concluir o mandato, respeitada a representação alternada de Governo e Sociedade Civil.
Art. 4º - Revogam-se os §§ 1º, 2º e 3º do art. 9º da Resolução nº 35/2005.
Art. 5º - As alterações no Regimento Interno do CONADE entram em vigor na data de publicação desta Portaria.
PAULO DE TARSO VANNUCCHI
ABRAÇOS E OBRIGADO!
ALEX GARCIA
Conselheiro. Presidente da Agapasm. Especialista em Educação Especial. Vencedor II Prêmio Sentidos. Rotariano Honorário - Rotary Club de São Luiz Gonzaga-RS. Líder Internacional para o Emprego de Pessoas com Deficiência - Professional Program on International Leadership, Employment, and Disability (I-LEAD) - Mobility International USA - MIUSA. Membro da Federação Mundial de Surdocegos - WFDB
Espaço para pesquisa, consultas e trocas de experiências próprias da comunicação com Surdos.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
domingo, 5 de dezembro de 2010
terça-feira, 7 de setembro de 2010
domingo, 5 de setembro de 2010
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
domingo, 18 de julho de 2010
Idade para aprendizado da língua de sinais.
Aprendizado da linguagem dos sinais depende da idade
da Agência Lusa
Um estudo realizado nos Estados Unidos e Inglaterra permite concluir, pela primeira vez, que existe uma idade ideal para aprender língua gestual, tal como já se supunha acontecer com a linguagem verbal.
Neurologistas examinaram a atividade cerebral de indivíduos que aprenderam a falar língua gestual norte-americana (ASL, sigla em inglês; em português os surdos utilizam a Libras - língua brasileira dos sinais) em diferentes períodos da sua vida, um trabalho publicado na edição de janeiro da revista "Nature Neuroscience" .
Através da técnica de ressonância magnética funcional (fMRI, sigla em inglês), os cientistas descobriram que os padrões da atividade cerebral das pessoas que aprendem ASL são diferentes se a aprendizagem ocorre antes ou depois da puberdade.
Segundo este trabalho, existem regiões no hemisfério direito do cérebro que são ativadas quando é pedido às crianças que aprenderam ASL antes da puberdade que leiam frases nesta língua.
Por seu lado, os cérebros das crianças que aprenderam a língua gestual norte-americana depois da puberdade demonstraram uma atividade cerebral no hemisfério direito muito menos intensa durante a realização da mesma experiência.
Existe uma aceitação generalizada entre a comunidade científica de que há um período crítico para a aquisição de uma primeira língua e de que as crianças que não forem expostas a nenhum tipo de idioma antes da puberdade são incapazes de a dominar totalmente mais tarde. Existem também indícios de que o mesmo se passa em relação á aprendizagem de uma segunda língua.
"Sabemos agora que os alunos tardios da ASL, embora possam ser muito fluentes, nunca o serão tanto como quem tem a ASL como língua nativa ou a aprendeu precocemente" , explicou David Corina, professor associado de psicologia na Universidade de Washington e co-autor do estudo.
"Um dos aspectos mais difíceis da ASL para os alunos tardios são os verbos que expressam movimento. É possível detectar erros sutis na utilização desses verbos tal como se descobrem pequenas imprecisões gramaticais quando se ouve alguém a falar numa língua que não é a sua nativa", sublinhou.
As outras instituições envolvidas no estudo são a Universidade de Oregon, a Universidade de Rochester, ambas nos Estados Unidos, e o Hospital John Radcliffe, em Inglaterra.
O estudo envolveu 27 indivíduos bilíngues, dos quais 16 eram pessoas com audição, filhos de pais surdos. Estes aprenderam ASL e inglês desde pequenos como línguas nativas.
Os restantes 11 indivíduos tinham o inglês como língua nativa e só mais tarde aprenderam ASL, após a puberdade ou na entrada na idade adulta.
Todos os envolvidos na pesquisa foram observados através da técnica de fMRI enquanto lhes era pedido que lessem frases em inglês e em ASL.
"Este trabalho é importante para compreender quais são os sistemas neurológicos envolvidos no processo da linguagem", explicou Corina.
"Queremos saber nomeadamente se estes sistemas são maleáveis ou fixos e o grau em que variam de uma língua para outra", continuou.
Este estudo permitiu aos cientistas saber que existe ativação do hemisfério direito do cérebro quando os falantes nativos vêem os símbolos da ASL.
A prova de que existe uma relação entre uma aprendizagem precoce e esta atividade cerebral sugere que existem idades específicas em que os sistemas neurológicos envolvidos no processo da linguagem podem estar particularmente sensíveis à mudança.
O investigador da Universidade de Washington acrescentou ainda que o estudo pode ter implicações na educação das crianças porque sublinha a importância de as expor o mais cedo possível à aprendizagem de uma língua, uma preocupação que agora se revelou igualmente importante na educação de crianças surdas (ou que se relacionam com indivíduos com esta deficiência) para assegurar a sua competência em língua gestual.
sábado, 12 de junho de 2010
INSTRUTOR SURDO
Aprender uma língua significa conhecer e aceitar o seu usuário.No caso da Libras, o conhecimento e aceitação só são possíveis na convivência com a pessoa surda. O aprendizado da Libras encontra sentido especial quando mediado pelo instrutor surdo.
APRENDENDO COM AS DIFERENÇAS
Quando eu rejeito a língua, eu rejeitei a pessoa porque a língua é parte de nós mesmos.
Quando eu aceito a língua de sinais, eu aceito o surdo, e é importante ter sempre em mente que o surdo tem o direito de ser surdo. Nós não devemos mudá-los, devemos ajudá-los, mas temos que lhes permitir ser surdo”.
Terje Basilier – psiquiatra surdo norueguês
A presença das comunidades surdas nas oficinas de Libras proporciona a inclusão no sentido da troca, parceria, da partilha de mundos tão diferentes e da descoberta e consciência da possibilidade de romper com a barreira da comunicação.
Fator imprescindível para a construção da identidade humana.
À medida que o ouvinte inclui o surdo, consequentemente será incluído, protagonista de uma historia em construção da qual todos fazemos parte. Afinal não somos todos diferentes?
É certamente na diferença que percebemos e experimentamos a superação.Não a superação que nos torna superiores, mas sim completos
quinta-feira, 10 de junho de 2010
FIFA.com retransmitirá vídeos en lengua de signos internacional
FIFA.com retransmitirá vídeos en lengua de signos internacional
(FIFA.com) Jueves 3 de junio de 2010
FIFA.com retransmitirá crónicas en vídeo de los 64 encuentros de la Copa Mundial de la FIFA Sudáfrica 2010.
Será la primera vez que el sitio oficial de la FIFA y la Copa Mundial de la FIFA permitan a las personas sordas o hipoacúsicas disfrutar de los 64 partidos del mayor espectáculo futbolístico del mundo en toda su integridad.
La lengua de signos internacional, conocida también como gestuno, es un leguaje auxiliar empleado en asambleas internacionales tales como el Congreso de la Federación Mundial de Sordos (WFD, por sus siglas en inglés) o en acontecimientos como las Sordolimpiadas.
La WFD representa aproximadamente a unos 70 millones de sordos en todo el mundo y fomenta el uso de la lengua de signos entre las personas sordas, especialmente cuando se trata de la educación y la información.
“El fútbol es un deporte universal y ha de ser accesible para todos. Por esta razón, es un placer para nosotros poder ofrecer este servicio a las personas sordas e hipoacúsicas”, señaló el presidente de la FIFA, Joseph S. Blatter. “Al dotar a estos reportajes con la lengua de signos internacional, la FIFA cubre las necesidades de más de 70 millones de personas”.
Estos vídeos con lengua de signos internacional estarán disponibles en el sitio oficial de la FIFA, FIFA.com, poco después de la finalización de cada encuentro.
domingo, 30 de maio de 2010
Você é especial ( Max Lucado)
Você é especial ( Max Lucado)
Era uma vez, um povo chamado xulingo. Os xulingos eram pequenos seres, feitos de madeira. Toda essa gente de madeira tinha sido feita por um carpinteiro chamado Eli. A oficina onde ele trabalhava ficava no alto de um morro, de onde se avistava a aldeia dos xulingos.
Cada xilungo era diferente dos outros. Uns tinham narizes bem grandes, outros tinham olhos enormes. Alguns eram altos, e outros bem baixinhos. Uns usavam chapéus, outros usavam casacos. Todos eles, porém, tinham sido feitos pelo mesmo carpinteiro e moravam na mesma aldeia.
E o dia inteiro, todos os dias, os xulingos só faziam uma coisa: colocavam adesivos uns nos outros. Cada xulingo tinha uma caixinha com adesivos dourados, em forma de estrela, e uma caixinha com adesivos cinzentos, em forma de bola. Em toda aldeia, indo e vindo pelas ruas, os xulingos passavam dia após dia colando estrelas e bolas uns nos outros.
Os mais bonitos, feitos de madeira lisa e tinta brilhante, sempre ganhavam. Mas, se a madeira era áspera ou se a tinta descascava, os xulingos colocavam bolas cinzentas.
Os xulingos que tinham algum talento também ganhavam estrelas.
Alguns xulingos, porém, não sabiam fazer muita coisa. Esses ganhavam bolinhas cinzentas.
Marcelino era um desses. Ele tentava pular bem alto como os outros, mas sempre caia. E, quando caia, os outros xulingos se juntavam à volta dele e lhe davam bolinhas cinzentas.
Às vezes, quando caía, sua madeira ficava arranhada, e, assim, os outros colavam mais bolinhas cinzentas nele.
Aí, quando ele tentava explicar porque tinha caído, dizia alguma coisa do jeito errado, e os xulingos colocavam mais bolinhas cinzentas nele.
Depois de algum tempo, Marcinelo tinha tantas bolinhas que nem queria sair de casa. Tinha medo de fazer alguma bobagem, porque os xulingos iriam colar nele mais uma bolinha .
- Ele merece ficar coberto de bolinhas cinzentas – as pessoas de madeira diziam umas às outras. – Ele não é um bom xulingo.
Depois de algum tempo, Marcinelo começou a acreditar neles. E vivia dizendo:
- Eu não sou um bom xulingo.
Certo dia, Marcinelo encontrou uma xulinga diferente de todas que ele conhecia. Ela não tinha nem estrelas nem bolinhas. Só madeira.
O nome dela era Lúcia.
E não era porque outros xulingos não tentassem colar adesivos em Lúcia. É que os adesivos não ficavam.
É assim que eu quero ser, pensou Marcinelo. Não quero ficar com as marcas de outras pessoas.
Então, ele perguntou à xulinga que não tinha adesivos como é que ela conseguia ficar assim.
- É fácil – respondeu Lúcia – todo dia, vou visitar Eli.
- Eli?
-Sim, Eli, o carpinteiro. Fico lá na oficina com ele.
- Por quê?
- Por que você não descobre por si mesmo? Suba o morro. Ele está lá em cima. E, dizendo isso, a xulinga que não tinha adesivos virou e foi embora, saltitando.
- Mas será que ele vai querer me ver? – gritou Marcinelo. Lúcia não ouviu.
Assim Marcinelo foi para casa. sentou-se junto à janela e observou toda aquela gente de madeira andando de um lado para outro, colando estrelas e bolinhas uns nos outros.
- Isso não é certo. – disse ele baixinho para si mesmo.
E decidiu ir ver Eli.
Marcinelo subiu pelo caminho estreito até o alto do morro e entrou na enorme oficina. Seus olhos de madeira se arregalaram com o tamanho das coisas. Ele engoliu em seco.
- Eu não fico aqui não! – e virou-se para ir embora.
Foi então que ouviu alguém dizer seu nome.
- Marcinelo? – a voz era profunda e forte.
Marcinelo parou.
- Marcinelo! Que alegria ver você. Chegue mais! Quero ver você bem de perto.
Marcinelo virou bem devagar e olhou para o enorme carpinteiro.
- Você sabe o meu nome? – perguntou o pequeno xulingo.
- É claro que sei. Fui eu que fiz você.
Eli se curvou, levantou Marcinelo e o colocou sentado no banco.
- Huummm! – disse pensativo o carpinteiro, olhando para todas aquelas bolinhas cinzentas. – Parece que você recebeu muitos adesivos ruins.
- Eu não queria que isso acontecesse, Eli, eu me esforcei para ganhar estrelas.
- Você não precisa se defender comigo, amiguinho. Eu não me importo com o que os outros xulingos pensam.
- Não?
- Não, e você também não precisa se importar. Quem são eles para dar estrelas ou bolinhas? São apenas xulingos como você. O que eles pensam, não importa, Marcinelo. A única coisa que importa é o que eu penso. E eu penso que você é muito especial.
Marcinelo deu uma risada.
- Eu, especial? Por que? Não sei correr. Não consigo pular. Minha tinta está descascando. Por que eu seria importante para você?
Eli olhou para Marcinelo, colocou suas mãos enormes naqueles pequenos ombros de madeira, e disse bem devagarinho:
- Porque você é meu. Por isso, você é importante para mim.
Nunca ninguém havia olhado assim para Marcinelo – Muito menos o seu Criador. Ele nem sabia o que dizer.
- Todo dia, tenho esperado a sua visita – explicou Eli. – Eu vim porque encontrei alguém que não tinha marcas. – Disse Marcinelo.
- Eu sei. Ela me falou sobre você.
- Por que os adesivos não colam nela?
O criador dos xulingos falou bem mansinho:
- Porque ela decidiu que o que eu penso é mais importante do que o que eles pensam. Os adesivos só colam se você deixar que colem.
- O quê?
- Os adesivos só colam se eles forem importantes para você. Quanto mais você confiar no meu amor, menos vai se importar com os adesivos dos xulingos.
- Acho que não estou entendendo.
Eli sorriu e disse:
- Você vai entender, mas levará tempo. Você tem muitos adesivos. Por enquanto, basta vir me visitar todo dia, e eu lhe direi como você é importante para mim.
- Eli ergueu Marcinelo do banco e o colocou no chão.
- Lembre-se – disse Eli quando o xulingo saía pela porta, - Você é especial porque eu o fiz. E eu não cometo erros.
Marcinelo nem parou, mas lá no fundo de seu coração pensou: acho que ele realmente se importa comigo.
E, quando ele pensou assim, uma bolinha cinzenta caiu ao chão.
FIM.
ARTIGO
Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 163
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS:
O QUE DIZEM ALUNOS, PROFESSORES E INTÉRPRETES
SOBRE ESTA EXPERIÊNCIA
CRISTINA BROGLIA FEITOSA DE LACERDA*
RESUMO: Este artigo focaliza uma experiência de inclusão de aluno
surdo em escola regular, com a presença de intérprete de língua de sinais.
Alunos, professores e intérpretes envolvidos foram entrevistados
e seus depoimentos analisados. Os dados indicam problemas que
ocorrem no espaço escolar, alguns identificados pelos entrevistados
como desconhecimento sobre a surdez e sobre suas implicações educacionais,
dificuldades na interação professor/intérprete e a incerteza
em relação ao papel dos diferentes atores neste cenário. Os depoimentos
apontam ainda dificuldades com adaptações curriculares e
estratégias de aula, exclusão do aluno surdo de atividades. Todavia,
tais aspectos são negligenciados, já que há um pressuposto tácito de
que a inclusão escolar é um bem em si. Pretende-se contribuir para a
reflexão acerca de práticas inclusivas envolvendo surdos, procurando
compreender seus efeitos, limites e possibilidades e buscando uma
atitude educacional responsável e conseqüente frente a este grupo.
Palavras-chave: Inclusão escolar. Surdez. Intérprete de Língua Brasileira
de Sinais.
SCHOOL INCLUSION OF DEAF STUDENTS: WHAT STUDENTS, TEACHERS
AND INTERPRETERS SAY ABOUT THIS EXPERIENCE
ABSTRACT: This paper focuses on the experience of deaf student
inclusion in a regular school, with the presence of sign language interpreters.
The students, teachers and interpreters involved were
interviewed and their statements were analyzed. These data describes
the problems occurring at school as ignorance on deafness
* Doutora em Educação e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso
de Fonoaudiologia da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail:
cristinalacerda@uol.com.br
164 Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006
Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
and its educational implications, difficulties in the professor/interpreter
interaction and uncertainty about the role of the different
actors involved. They also highlight difficulties with curricular
adaptations and class strategies, and the exclusion of the deaf
student from activities. Nevertheless, such aspects are disregarded
because it is tacitly assumed that school inclusion is good
in itself. We intend to contribute to a reflection about inclusive
practices involving the deaf, seeking to understand their effects,
limits and possibilities and looking for a responsible and coherent
educational attitude toward this group.
Key words: School inclusion. Deafness. Brazilian sign language interpreter.
Introdução
educação de pessoas surdas é um tema bastante preocupante. Pesquisas
desenvolvidas no Brasil e no exterior indicam que um número
significativo de sujeitos surdos que passaram por vários anos
de escolarização apresenta competência para aspectos acadêmicos muito
aquém do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas capacidades
cognitivas iniciais serem semelhantes. Uma evidente inadequação do sistema
de ensino é denunciada por estes dados, revelando a urgência de
medidas que favoreçam o desenvolvimento pleno destas pessoas.
No mundo todo, a partir da década de 1990, difundiu-se com força
a defesa de uma política educacional de inclusão dos sujeitos com necessidades
educativas especiais, propondo maior respeito e socialização efetiva
destes grupos e contemplando, assim, também a comunidade surda.
Houve um movimento de desprestigio dos programas de educação especial
e um incentivo maciço para práticas de inclusão de pessoas surdas em
escolas regulares (de ouvintes).
Desse modo, diversas têm sido as formas de realização da inclusão.
Todavia, é inegável que a maioria dos alunos surdos sofreu uma escolarização
pouco responsável. Este artigo pretende, então, a partir de uma experiência
de inclusão de aluno surdo em uma escola regular, com a presença
de intérprete de língua de sinais, focalizar e avaliar aspectos dessa
experiência do ponto de vista de alunos surdos e ouvintes, intérpretes e
professores implicados nesta vivência. Para tal, foram realizadas entrevistas
com estes sujeitos e analisados seus depoimentos.
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Surdez, linguagem e inclusão escolar
A linguagem é responsável pela regulação da atividade psíquica humana,
pois é ela que permeia a estruturação dos processos cognitivos. Assim,
é assumida como constitutiva do sujeito, pois possibilita interações
fundamentais para a construção do conhecimento (Vigotski, 2001). A linguagem
é adquirida na vida social e é com ela que o sujeito se constitui
como tal, com suas características humanas, diferenciando-se dos demais
animais. É no contato com a linguagem, integrando uma sociedade que
faz uso dela, que o sujeito a adquire. Já para as pessoas surdas, esse contato
revela-se prejudicado, pois a língua oral é percebida por meio do canal auditivo,
alterado nestas pessoas.
Assim, os sujeitos surdos pela defasagem auditiva enfrentam dificuldades
para entrar em contato com a língua do grupo social no qual
estão inseridos (Góes, 1996). Desse modo, no caso de crianças surdas, o
atraso de linguagem pode trazer conseqüências emocionais, sociais e
cognitivas, mesmo que realizem aprendizado tardio de uma língua.
Devido às dificuldades acarretadas pelas questões de linguagem, observa-
se que as crianças surdas encontram-se defasadas no que diz respeito
à escolarização, sem o adequado desenvolvimento e com um conhecimento
aquém do esperado para sua idade. Disso advém a necessidade de elaboração
de propostas educacionais que atendam às necessidades dos sujeitos
surdos, favorecendo o desenvolvimento efetivo de suas capacidades.
Partindo do conhecimento sobre as línguas de sinais, amplamente
utilizadas pelas comunidades surdas, surge a proposta de educação bilíngüe
que toma a língua de sinais como própria dos surdos, sendo esta, portanto,
a que deve ser adquirida primeiramente. É a partir desta língua que
o sujeito surdo deverá entrar em contato com a língua majoritária de seu
grupo social, que será, para ele, sua segunda língua. Assim, do mesmo
modo que ocorre quando as crianças ouvintes aprendem a falar, a criança
surda exposta à língua de sinais irá adquiri-la e poderá desenvolver-se, no
que diz respeito aos aspectos cognitivos e lingüísticos, de acordo com sua
capacidade. A proposta de educação bilíngüe, ou bilingüismo, como é
comumente chamada, tem como objetivo educacional tornar presentes
duas línguas no contexto escolar, no qual estão inseridos alunos surdos.
Discutir a educação de surdos implica discutir também o tema inclusão
escolar, tratado mundialmente. Na década de 1990, muitos países
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
assumiram a inclusão como tarefa fundamental da educação pública e
diferentes tentativas foram colocadas em prática buscando viabilizá-la.
Estudiosos como Bunch (1994), Cohen (1994) e Kirchner (1994), no
exterior, e Silveira Bueno (1994), Massota (1996) e Sassaki (1997), no
Brasil, entre outros, argumentam que todos os alunos devem ter as mesmas
oportunidades de freqüentar classes regulares próximas à sua moradia,
defendem a necessidade de um programa educacional adequado às
capacidades dos diferentes alunos, e que promova desafios a todas as crianças
atendidas. Destacam também a importância de oferecimento de
suporte e assistência às crianças com necessidades especiais e aos professores,
para que o atendimento seja o melhor possível.
A defesa deste modelo educacional se contrapõe ao modelo anterior
de educação especial, que favorecia a estigmatização e a discriminação. O
modelo inclusivo sustenta-se em uma filosofia que advoga a solidariedade
e o respeito mútuo às diferenças individuais, cujo ponto central está na
relevância da sociedade aprender a conviver com as diferenças. Contudo,
muitos problemas são enfrentados na implementação desta proposta, já
que a criança com necessidades especiais é diferente, e o atendimento às
suas características particulares implica formação, cuidados individualizados
e revisões curriculares que não ocorrem apenas pelo empenho do professor,
mas que dependem de um trabalho de discussão e formação que
envolve custos e que tem sido muito pouco realizado.
A inclusão apresenta-se como uma proposta adequada para a comunidade
escolar, que se mostra disposta ao contato com as diferenças,
porém não necessariamente satisfatória para aqueles que, tendo necessidades
especiais, necessitam de uma série de condições que, na maioria
dos casos, não têm sido propiciadas pela escola.
Antia e Stinson (1999) assumem a tarefa de confrontar diversos
estudos sobre a inclusão, ilustrando a evolução das discussões nesta área.
Referem-se a várias experiências de inclusão de crianças surdas, nas quais
a almejada integração social e acadêmica não ocorre efetivamente. O problema
central, segundo os estudos, é o acesso à comunicação, já que são
necessárias intervenções diversas (boa amplificação sonora, tradução simultânea,
apoio de intérprete, entre outros), que nem sempre tornam
acessíveis os conteúdos tratados em classe. A dificuldade maior está em
oportunizar uma cultura de colaboração entre alunos surdos e ouvintes,
e que professores e especialistas que participam da atividade escolar constituam
uma equipe com tempo reservado para organização de atividaCad.
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
des, trabalhando conjuntamente numa ação efetiva de proposição de atividades
que atendam às necessidades de todos os alunos. Outro ponto
abordado é a necessidade de participação de membros da comunidade
surda na escola, favorecendo o desenvolvimento de aspectos da identidade
surda dessas crianças. Antia e Stinson (op. cit.) argumentam que uma
inclusão nestes moldes pode efetivamente beneficiar todos os alunos envolvidos,
mas esta não é freqüentemente desenvolvida.
As reflexões apresentadas referem-se à realidade de diversos países
que, rompendo com as premissas da medicalização ou da segregação
e buscando uma escola para todos, discutem modelos de educação
inclusiva capazes de atender às diferenças. Entretanto, vários destes estudos,
realizados em países do primeiro mundo, com condições gerais
de educação satisfatórias, indicam dificuldades de implantação dessas
propostas, que são definidas legalmente de forma ideal, mas que na
prática são de difícil implementação.
Refletindo sobre aspectos da inclusão no Brasil
O movimento da chamada educação inclusiva, que emerge apoiado
pela Declaração de Salamanca1 (1994), defende o compromisso que
a escola deve assumir de educar cada estudante, contemplando a pedagogia
da diversidade, pois todos os alunos deverão estar dentro da escola
regular, independente de sua origem social, étnica ou lingüística.
Assim, de acordo com Mazzota (1996), a implementação da inclusão
tem como pressuposto um modelo no qual cada criança é importante
para garantir a riqueza do conjunto, sendo desejável que na classe regular
estejam presentes todos os tipos de aluno, de tal forma que a escola
seja criativa no sentido de buscar soluções visando manter os diversos
alunos no espaço escolar, levando-os a obtenção de resultados
satisfatórios em seu desempenho acadêmico e social.
A inclusão escolar é vista como um processo dinâmico e gradual,
que pode tomar formas diversas a depender das necessidades dos alunos,
já que se pressupõe que essa integração/inclusão possibilite, por
exemplo, a construção de processos lingüísticos adequados, de aprendizado
de conteúdos acadêmicos e de uso social da leitura e da escrita,
sendo o professor responsável por mediar e incentivar a construção do
conhecimento através da interação com ele e com os colegas.
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
Botelho (1998) e Lacerda (2000), entre outros autores, alertam
para o fato de que o aluno surdo, freqüentemente, não compartilha uma
língua com seus colegas e professores, estando em desigualdade lingüística
em sala de aula, sem garantia de acesso aos conhecimentos trabalhados,
aspectos estes, em geral, não problematizados ou contemplados pelas
práticas inclusivas.
Laplane (2004) argumenta que acreditar que valores e princípios da
educação inclusiva sejam capazes de promover instituições mais justas do
que aquelas que fundamentaram a segregação, compreender que o discurso
em defesa da inclusão se constituiu historicamente como oposto ao da
segregação e, nesse contexto, reconhecer a importância de destacar as vantagens
da educação inclusiva não pode ocultar os problemas todos que esta
mesma “educação inclusiva” impõe. A autora defende que a questão central
dos ideais da educação inclusiva se confronta com a desigualdade social
presente no Brasil e em outros paises em desenvolvimento.
(...) A análise das tendências que marcam o processo de globalização não deixa
dúvidas quanto aos valores que privilegia e aos modos como se organiza.
No contexto do acirramento das diferenças sociais provocado pelas tendências
globalizantes, pela concentração de riqueza e pelos processos que a
acompanham (redução do emprego, encolhimento do Estado etc.), a
implementação de políticas realmente inclusivas deve enfrentar grandes problemas.
O “elogio da inclusão” apresenta a vantagem de arrolar argumentos para a
defesa das políticas inclusivas. Mas para que seja realmente eficaz é preciso
que o discurso se feche sobre si próprio, aparecendo como uma totalidade
que não admite questionamentos. (Laplane, 2004, p. 17-18)
A fragilidade das propostas de inclusão, neste sentido, residem no
fato de que, freqüentemente, o discurso contradiz a realidade educacional
brasileira, caracterizada por classes superlotadas, instalações físicas insuficientes,
quadros docentes cuja formação deixa a desejar. Essas condições
de existência do sistema educacional põem em questão a própria
idéia de inclusão como política que, simplesmente, propõe a inserção dos
alunos nos contextos escolares presentes. Assim, o discurso mais corrente
da inclusão a circunscreve no âmbito da educação formal, ignorando as
relações desta com outras instituições sociais, apagando tensões e contradições
nas quais se insere a política inclusiva, compreendida de forma
mais ampla (Laplane, 2004).
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Sobre a pesquisa
A sala de aula focalizada como alvo desse estudo é uma quinta série
do ensino fundamental, de uma escola da rede privada, que conta
com 29 alunos ouvintes, uma criança surda e a presença de duas intérpretes
de língua de sinais que se revezam neste trabalho. A faixa etária
dos alunos varia de 10 a 12 anos, sendo 17 meninas e 12 meninos. A
criança surda é acompanhada, desde os 6 anos de idade, de intérprete
educacional contratada e paga pela família. Ela freqüenta esta escola há
um ano e meio; é a primeira experiência com aluno surdo e intérprete
em sala de aula desta instituição. A criança, com 12 anos de idade, é
portadora de surdez profunda bilateral, adquirida por meningite aos 3
anos de idade. Filha de pais ouvintes, não tem domínio do português
falado e é usuária da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
Quando da entrada do aluno surdo nesta escola, a direção se
mostrou interessada pelo processo de inclusão com a presença de intérprete
de LIBRAS e afirmou que seria feito um trabalho conjunto para
o sucesso da inclusão: coordenação, professores, intérprete, família,
fonoaudióloga e alunos. Todavia, após o início do ano letivo, poucos
encontros ocorreram, sendo inicialmente mensais, e durante a quinta
série só ocorreram encontros mediante a solicitação das intérpretes e
da fonoaudióloga. A escola julgava a inclusão bastante satisfatória e não
via necessidade de discussões.
Apesar das solicitações feitas pelas intérpretes e pela fonoaudióloga
do aluno surdo, não foram realizadas reuniões de planejamento para oferecer
mais informações sobre a surdez, sobre o aluno surdo, sobre a adequação
das estratégias em sala de aula e sobre o papel do intérprete aos
novos professores da quinta série. A direção escolar prometeu tais reuniões,
mas não as realizou, alegando falta de horário disponível.
Na quinta série focalizada, são oito os professores responsáveis pelas
diversas disciplinas ministradas: Português, Matemática, Inglês, Ciências,
Geografia, História, Educação Física e Artes. As aulas têm a duração
de 50 minutos. As dinâmicas de aula variam de acordo com cada
professor e com os conteúdos, mas há um predomínio de aulas
expositivas com uso preferencial do quadro negro como apoio para as explicações.
Eventualmente, são usados recursos como vídeos, mapas ou
transparências.
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
Em geral, os alunos assistem e participam respondendo a perguntas
em aulas expositivas, mas com alguma freqüência são realizadas
atividades em grupo. Os grupos se alternam bastante e não têm uma
configuração estável.
O aluno surdo estava sempre acompanhado de uma das intérpretes
(que se revezavam em dias alternados da semana) e esta se sentava ao
seu lado, ou na frente da classe, dependendo do tipo de atividade proposta.
Na realidade brasileira, são poucas as pessoas com formação específica
para atuarem como intérpretes da LIBRAS. Tem crescido o número
de cursos oferecidos, todavia eles se concentram nos grandes centros, atingindo
um número restrito de pessoas. Desse modo, é difícil encontrar,
em cidades do interior, pessoas com formação específica como intérprete
da LIBRAS e que se disponham a atuar como intérprete educacional, já que
este trabalho exige dedicação de muitas horas semanais, com horários fixos.
Assim, as duas intérpretes entrevistadas foram pessoas que aceitaram
trabalhar nas condições necessárias ao trabalho escolar, tinham um
bom conhecimento da LIBRAS, interesse/capacitação para trabalhar no âmbito
pedagógico e disponibilidade de horários.
Entrevista e sujeitos entrevistados
Para o estudo, foi realizado um esclarecimento sobre objetivos e
procedimentos para: direção e coordenação da escola, professores, alunos
ouvintes, aluno surdo, famílias dos alunos ouvintes, família do aluno
surdo e intérpretes. As intérpretes foram entrevistadas separadamente,
cada uma em dia e horário previamente combinados, fora do
ambiente escolar. Mostraram-se interessadas em participar, especialmente
porque queriam conhecer melhor sua própria realidade de trabalho,
e não criaram dificuldades para a realização da entrevista.
Realizar a entrevista com os professores, entretanto, não foi tarefa
fácil. Foram marcados diversos encontros na própria escola, em horários
definidos por eles, já que alegaram não ter outro momento disponível
a não ser aquele em que estavam na escola. Todavia, mesmo
respeitando estes horários, o pesquisador não era atendido, por uma
série de motivos: esquecimento, reuniões marcadas ao improviso e outros
compromissos escolares, o que fez as entrevistas serem remarcadas
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muitas vezes. Ao final de várias tentativas, os próprios professores (aqueles
mais participantes de discussões que envolviam o aluno surdo) propuseram
que a entrevista fosse feita com dois deles, professora de português
e professor de história, juntos, e diante das dificuldades tal proposta
foi aceita.
Em relação aos alunos ouvintes, buscou-se sondar quais estariam
mais disponíveis para participar de uma entrevista a partir de sugestões
do aluno surdo, intérpretes e família do aluno surdo. Tais alunos foram
contatados, bem como suas famílias, e, depois de várias tentativas, uma
das alunas sugeriu que o pesquisador fosse até a casa dela, pois convidaria
uma outra colega de classe para que então fosse realizada a entrevista.
As alunas se mostraram à vontade e participativas e julgou-se que os dados
coletados foram bastante adequados aos propósitos da pesquisa.
O aluno surdo foi entrevistado pela pesquisadora e uma intérprete
(diferente daquelas que o seguem em sala de aula, porém sua conhecida),
para garantir que a comunicação em LIBRAS fosse satisfatória. A entrevista
foi filmada para possibilitar a transcrição adequada da LIBRAS.
As entrevistas, no geral, duraram em média uma hora e meia cada
uma; à exceção da entrevista com o aluno surdo, as demais foram gravadas
em áudio. Todas foram transcritas integralmente para posterior análise.
Professores
O fluxo geral dos depoimentos aponta para a satisfação dos professores
diante dos resultados dessa experiência, relatando que suas aulas
transcorrem normalmente; que as presenças do aluno surdo e intérprete
são facilmente assimiladas na rotina escolar; e que percebem um bom
relacionamento entre os alunos e um bom rendimento geral do aluno
surdo. Todavia, uma análise mais atenta do mesmo material revela paradoxalmente
a falta de preparação para esta prática, desinformação geral
acerca do argumento surdez e suas peculiaridades, ausência de planejamento
de ações coordenadas que levem em conta a presença do intérprete
e, talvez, o aspecto mais importante, a não consciência de que existem
muitos problemas ocorrendo neste espaço, que mereceriam atenção
e ações por parte dos professores.
Os professores referem-se a uma experiência que transcorre bem,
que não causa estranhamento e que, portanto, não demanda ajustes e
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
pode ser mantida como está, porque os incômodos são mínimos e não
merecem maior cuidado. A realidade é vista apenas parcialmente,
esfumaçada, e isso parece garantir a tranqüilidade para o trabalho.
Porém, no próprio fluxo da entrevista os professores dão alguns sinais
de que percebem, ainda que de maneira tênue, que algo precisa ser
repensado: “Aquela história que nem maestro, a gente vê maestro erguer a
mão numa orquestra, pensa que é chegar lá na frente, um sinalzinho...”,
diz o professor de História referindo-se ao trabalho da intérprete, demonstrando,
ainda que fugazmente, perceber que há muito mais a ser compreendido.
Os depoimentos da professora de Português falam de suas dúvidas
e reflexões após o contato com informações mais aprofundadas sobre
língua de sinais e educação de surdos, também indicando que percebe que
há pontos obscuros que merecem ser repensados. Os depoimentos revelam
e escondem problemas presentes nesta prática, mas, de maneira geral,
os entrevistados referem-se à experiência como satisfatória.
Alunos ouvintes
Os depoimentos dos alunos ouvintes revelam que o aluno surdo
é acolhido pela classe, visto com respeito e que conta com a amizade
de vários companheiros. Entretanto, também revelam uma super valorização
destas relações, como se não houvesse problemas e como se tudo
se desenvolvesse satisfatoriamente.
As alunas entrevistadas falam de um ambiente ‘feliz’, no qual o
aluno é querido, tem boas relações, e que todos conhecem sinais que
são suficientes para uma comunicação eficiente. Neste ambiente, ele se
mostra um bom aluno e o seu trabalho com a intérprete é acolhido
sem dificuldades. Faz pensar em um ambiente tranqüilo, no qual não
existem problemas. Entretanto, nos mesmos depoimentos, é possível
perceber que a língua de sinais é vista como algo difícil, trabalhosa para
aprender e que, às vezes, é um pouco chata; que o amigo surdo é ‘legal’,
mas faz coisas estranhas que, freqüentemente, não são compreendidas
e que se espera que ele aprenda a falar e fale.
Configura-se um paradoxo entre aquilo que parece importante que
se acredite e aquilo que é efetivamente vivenciado. A relação entre alunos
ouvintes e surdo não se revela sempre difícil, há aceitação e compreensão
de suas características, mas não se revela sempre fácil, há dificuldades de
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relação, de conhecimento sobre a surdez e de aceitação de certas características.
Porém, os aspectos mais difíceis da relação são ocultados, aparecendo
apenas nas entrelinhas, percebidos como menos importantes. Há
um saldo geral positivo e isso é o que conta. Também entre as crianças
parece não haver estranhamento e apreensão em relação a essa experiência
nova, que permita uma visão mais realística do que ocorre.
Aluno surdo
A leitura da entrevista do aluno surdo faz pensar que ele tenha
uma compreensão particular de sua escolarização. Freqüentar uma classe
de ouvintes não é uma opção para ele, mas algo normal e o único
contexto escolar que conhece. Do mesmo modo, lhe parece normal ser
acompanhado quotidianamente por uma intérprete, pois durante toda
sua vida escolar teve ao seu lado alguém interpretando.
Em relação aos seus amigos, sabe que eles conhecem alguns sinais
e os reconhece como tendo domínio da língua de sinais, proporcionando
uma comunicação entre eles efetiva e sem maiores problemas. Reconhece
que seus professores não conhecem sinais, mas isso não traz problemas,
porque tem a intérprete ao seu lado que o ajuda em suas tarefas
escolares. Não parece se sentir sozinho ou isolado. Vive em uma ilha,
dentro de sua sala de aula, e isso lhe parece adequado; vê seu relacionamento
restrito às intérpretes e às poucas trocas dialógicas com os alunos
ouvintes como natural.
Entretanto, para aqueles que conhecem a vivência escolar entre
crianças ouvintes, as possibilidades de trocas entre alunos e professores e
a riqueza de informações que circulam quando se está em um grupo com
o qual se compartilha uma mesma língua, a situação do aluno surdo parece
insólita: em uma quinta série não conhece o nome dos amigos, não
se relaciona diretamente com os professores, tem apenas um interlocutor
efetivo no espaço escolar, está sempre acompanhado por um adulto, configurando
uma situação que não pode ser chamada de satisfatória. Ele,
provavelmente, por não conhecer outra realidade, mostra-se bem adaptado
a sua situação. Como não conhece algo diferente, acredita que esta
convivência seja plena e se satisfaz com ela. Cabe refletir se esta vivência
escolar é realmente plena e se este é o espaço educacional que se deseja
para os alunos surdos.
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
Intérpretes de língua de sinais
As questões acerca do papel do intérprete educacional apontadas
nas entrevistas mostram que é preciso intensificar os estudos nessa área,
pois em vários recortes foi possível observar o quanto essa atuação é pouco
refletida e compreendida, o que determina dificuldades para esse trabalho.
Uma questão central é definir melhor a função do intérprete educacional;
figura desconhecida, nova, que, com um delineamento mais
adequado (direitos e deveres do intérprete, limites da interpretação, divisão
do papel de intérprete e de professor, relação do intérprete com
alunos surdos e ouvintes em sala de aula, entre outros), poderia favorecer
um melhor aproveitamento deste profissional no espaço escolar.
A literatura aponta que no contexto escolar, especialmente aquele
que envolve crianças mais novas, é impossível desempenhar um papel estritamente
de intérprete (Antia & Kreimeiyer, 2001). O intérprete participa
das atividades, procurando dar acesso aos conhecimentos e isso se
faz com tradução, mas também com sugestões, exemplos e muitas outras
formas de interação inerentes ao contato cotidiano com o aluno surdo
em sala de aula. Todavia, se este papel não estiver claro para o próprio
intérprete, professores, alunos e aluno surdo, o trabalho torna-se
pouco produtivo, pois se desenvolve de forma insegura, com desconfiança,
desconforto e superposições.
É preciso reconhecer que a presença do intérprete em sala de aula
tem como objetivo tornar os conteúdos acadêmicos acessíveis ao aluno surdo.
Entretanto, o objetivo último do trabalho escolar é a aprendizagem do
aluno surdo e seu desenvolvimento em conteúdos acadêmicos, de linguagem,
sociais, entre outros. A questão central não é traduzir conteúdos, mas
torná-los compreensíveis, com sentido para o aluno. Deste modo, alguém
que trabalhe em sala de aula, com alunos, tendo com eles uma relação estreita,
cotidiana, não pode fazer sinais – interpretando – sem se importar
se está sendo compreendido, ou se o aluno está aprendendo. Nessa experiência,
o interpretar e o aprender estão indissoluvelmente unidos e o intérprete
educacional assume, inerentemente ao seu papel, a função de também
educar o aluno. Isso é premente no ensino fundamental, onde se
atendem crianças que estão entrando em contato com conteúdos novos e,
muitas vezes, com a língua de sinais, mas deve estar presente também em
níveis mais elevados de ensino, porque se trata de um trabalho com finalidade
educacional que pretende alcançar a aprendizagem.
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A questão da falta de um planejamento conjunto, da falta de um
trabalho de equipe e de uma concepção mais clara do que signifique aceitar
um aluno surdo em sala de aula também foi trazida pelas intérpretes.
Elas se referem a tentar fazer o melhor possível num espaço adverso
e cheio de dificuldades de relação, já que muitas vezes o professor não
assume seu papel diante do aluno surdo, delegando funções a elas ou
propondo atividades que não fazem qualquer sentido para este aluno. Falam
de si mesmas como excluídas do processo educacional, à margem,
buscando fazer, apesar disso, o melhor possível para que o aluno surdo
desenvolva suas potencialidades no espaço escolar. Discussões constantes
sobre a tarefa de cada um no espaço inclusivo, atribuições e trocas de
percepções se mostram essenciais e são um primeiro passo para uma convivência
tranqüila e que possa trazer ganhos efetivos ao aluno surdo.
Seus depoimentos relevam ainda que tanto a escola quanto os professores
conhecem muito pouco sobre a surdez e suas peculiaridades, não
compreendendo adequadamente o aluno surdo, sua realidade e suas dificuldades
de linguagem etc.
Levantou-se também nas entrevistas a importância de haver um
espaço para atualização do aprendizado de língua de sinais por parte das
intérpretes, para discussões sobre o uso adequado desta língua no espaço
pedagógico. Esta é uma questão abordada em outras pesquisas e foco de
atenção em muitas experiências inclusivas (Napier, 2002). Todavia, no
Brasil, esta questão é percebida pelos intérpretes que realizam este trabalho,
mas pouco ou nada é feito para suprir esta necessidade.
Essas considerações indicam a importância de se realizarem estudos
direcionados para a inclusão de alunos surdos com inserção de intérpretes
de Língua Brasileira de Sinais em sala de aula, na tentativa de avaliar
como este processo vem ocorrendo, como já se faz em outros países,
e até mesmo avaliar os efeitos de tal processo nas séries iniciais de
escolarização.
Reflexões sobre a inclusão escolar do aluno surdo
A questão das dificuldades de comunicação dos surdos é bastante
conhecida, mas, na realidade brasileira, as leis (10.436, 24 de abril
de 2002, que dispõe sobre a língua de sinais brasileira, e mais recentemente
o Decreto 5626/05, que regulamenta as leis 10.098/94 e
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
10.436/02 e orienta ações para o atendimento à pessoa surda) e este
conhecimento não têm sido suficientes para propiciar que o aluno surdo,
que freqüente uma escola de ouvintes, seja acompanhado por um
intérprete. Além disso, a presença do intérprete de língua de sinais não
é suficiente para uma inclusão satisfatória, sendo necessária uma série
de outras providências para que este aluno possa ser atendido adequadamente:
adequação curricular, aspectos didáticos e metodológicos, conhecimentos
sobre a surdez e sobre a língua de sinais, entre outros.
Assim, muitos dos aspectos da realidade escolar de inclusão apontados
neste estudo não são singulares, como pode parecer em princípio.
A presença de um intérprete de LIBRAS em escolas brasileiras é, sem dúvida,
algo ainda pouco comum. Contudo, a desinformação dos professores
e o desconhecimento sobre a surdez e sobre modos adequados de atendimento
ao aluno surdo são freqüentes. A prática de muitos anos de
acompanhamento de crianças surdas permite afirmar que, infelizmente,
a maior parte das inclusões escolares de surdos é pouco responsável. A
escola se mostra inicialmente aberta a receber a criança (também porque
há a força da lei que diz que a escola deve estar aberta à inclusão), discute
as características da criança no momento de sua entrada e, depois, a insere
na rotina, sem qualquer cuidado especial. Em geral, com o passar
do tempo, a criança parece bem, já que não apresenta muitos problemas
de comportamento, e todos parecem achar que está tudo certo: a) a escola
não se preocupa mais com a questão, porque se preocupar significaria
buscar outras ajudas profissionais (intérprete, educador surdo, professor
de apoio etc.), e a escola pública brasileira, em geral, não conta nem com
a equipe básica de educadores para atender as necessidades dos alunos
ouvintes; b) os professores, que percebem que o aluno não evolui, mas não
sabem o que devem fazer, por falta de conhecimento e preparo; c) os alunos
ouvintes, que acolhem, como podem, a criança surda sem saber bem
como se relacionar com ela; d) o aluno surdo, que, apesar de não conseguir
seguir a maior parte daquilo que é apresentado em aula, simula estar
acompanhando as atividades escolares, pois afinal todas aquelas pessoas
parecem acreditar que ele é capaz; e) a família, que sem ter outros
recursos precisa achar que seu filho está bem naquela escola.
Ao final de anos de escolarização, a criança recebe o certificado escolar
sem que tenha sido minimamente preparada para alcançar os conhecimentos
que ela teria potencial para alcançar (em muitos casos, termina
a oitava série com conhecimentos de língua portuguesa e
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
matemática compatíveis com a terceira série). Esta realidade é gravíssima
e tem se repetido no Brasil, a cada ano. Torna-se urgente intervir e modificar
estes fatos.
A presença de um intérprete de língua de sinais em sala de aula
pode minimizar alguns aspectos deste problema, em geral, favorecendo
uma melhor aprendizagem de conteúdos acadêmicos pelo aluno,
que teria ao menos acesso (se conhecesse a língua de sinais, ou pudesse
adquiri-la) aos conteúdos trabalhados. Todavia, este aluno continua inserido
em um ambiente pensado e organizado para alunos ouvintes.
Para que este ambiente se torne minimamente adequado às necessidades
de alunos surdos, são necessárias mudanças e adaptações que se encontram
distantes de serem realizadas.
O aluno surdo é usuário de uma língua que nenhum companheiro
ou professor efetivamente conhece. Ele é um estrangeiro que
tem acesso aos conhecimentos de um modo diverso dos demais e se
mantém isolado do grupo (ainda que existam contatos e um relacionamento
amigável). A questão da língua é fundamental, pois, sem ela, as
relações mais aprofundadas são impossíveis, não se pode falar de sentimentos,
de emoções, de dúvidas, de pontos de vista diversos. As entrevistas
revelam que a relação do aluno surdo com os demais se limita a
trocas de informações básicas, que são enganosamente “imaginadas por
todos” como satisfatórias e adequadas. Ele, por não conhecer outras experiências,
só pode achar que este ambiente em que vive é bom: tem
amigos, vai à escola todos os dias, é bem tratado e tem a intérprete.
Todavia, tudo isso se mostra precário, longe daquilo que seria desejável
para qualquer aluno de sua idade.
Outro ponto importante, no que tange às questões de desenvolvimento,
é que o aluno surdo, como qualquer criança que freqüenta o
ensino fundamental, está em processo de desenvolvimento de linguagem,
de processos identificatórios, de construção de valores sociais e
afetivos, entre outros. É na escola que as crianças aprendem ou aperfeiçoam
formas de narrar, de descrever, modos adequados de usar a linguagem
em diferentes contextos, ampliando seu conhecimento lingüístico,
e experimentam regras de convivência social, regras de formação
de grupo e de valores sociais fundamentais para a adaptação da vida
em sociedade. É também na escola que emoções e afetos são vividos de
forma mais aberta, menos protegida, propiciando sucesso, insucesso,
ciúmes, competição, raiva; sentimentos importantes de serem conheci178
Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006
Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
dos e exercitados para o convívio social. Além disso, é nesta etapa da
vida que os processos identificatórios se consolidam e o aluno surdo,
sozinho no ambiente escolar, em sua condição de surdez, pode, por isso
mesmo, enfrentar uma série de dificuldades.
Shaw e Jamienson (1997) discutem que os discursos de sala de
aula revelam papéis sociais e culturais nas interações que podem ser diferentes
em muitos aspectos daquilo que tratam normalmente os discursos
familiares. Assim, o discurso do professor guia a atenção dos alunos
para tarefas relevantes, avaliando suas respostas e sua adequação. Além
disso, muito do que é dito para outro aluno em uma explicação ou discussão
é ouvido pelo grupo e constitui um conhecimento adquirido, ainda
que não diretamente voltado para este ou aquele sujeito; neste ambiente,
onde um pergunta, outro responde e outro ouve, se constroem
muitas regras de conhecimento social e afetivo importantes para o desenvolvimento
da criança.
Nesse sentido, crianças surdas possuem estratégias de comunicação
muito peculiares, pois a maioria vem de lares ouvintes que não possibilitam
um desenvolvimento lingüístico no patamar das crianças ouvintes.
Assim, elas partem de uma exposição e de estratégias de linguagem
diferentes, estando expostas a um ambiente que usa simultaneamente
pistas visuais e auditivas, impondo a elas opções, dividindo sua atenção.
Em uma sala de aula para alunos ouvintes, isso se reproduz, já que o
professor passa as informações de acordo com aquilo que está acostumado,
sendo mais adequado aos ouvintes que às crianças surdas. Desse
modo, a criança surda está presente, mas está perdendo uma série de informações
fundamentais sobre questões de linguagem, sociais e afetivas
que lhe escapam justamente por sua condição de ser usuária de outra
língua, tendo acesso aos conteúdos apenas pela mediação do intérprete.
A criança surda tem um interlocutor único que usa uma linguagem filtrada,
escolar e própria para a tradução (Teruggi, 2003), sem outros modelos,
sem trocas, sem contato com tudo que circula entre coetâneos.
Trata-se de uma experiência restritiva, em um momento fundamental de
seu desenvolvimento, que precisa ser considerada.
A situação do aluno surdo incluído faz pensar no texto de Platão,
“O mito da caverna”, presente no Diálogo: A República.2
(...) homens vivendo numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda
a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Os habitantes desta caverCad.
Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 179
Disponível em
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
na têm as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não podem mudar
de posição e olhem apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede.
Bem em frente da entrada da caverna existe um pequeno muro da
altura de um homem e, por trás desse muro, se movem homens carregando
sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira, representando
os mais diversos tipos de coisas. E lá no alto brilha o sol. A caverna também
produz ecos e os homens que passam por trás do muro falam de
modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna (...). Se fosse assim, certamente
os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das
pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco
das vozes. Entretanto, por nunca terem visto outra coisa, eles acreditariam
que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram
a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seria o som real das
vozes emitidas pelas sombras (...).
Assim, o aluno surdo, seus companheiros e professores (como os entrevistados
neste estudo) parecem ver apenas as sombras e os ecos e não
compreendem que as relações escolares poderiam se dar de modo diferente.
Ainda, seguindo o mito criado por Platão:
Suponhamos, agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das
correntes que o prendem. Com muita dificuldade e sentindo-se freqüentemente
tonto, ele se voltaria para a luz e começaria a subir até a entrada
da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria
a se habituar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os
olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro
e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas
possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras que antes
via na caverna, e que agora lhes parece algo irreal ou limitado. Suponhamos
que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente, ele
ficaria ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz; depois, habituando-
se, veria as várias coisas em si mesmas; e, por último, veria a própria
luz do sol refletida em todas as coisas. Compreenderia, então, que estas
e somente estas coisas seriam a realidade e que o sol seria a causa de todas
as outras coisas.
Para ver e saber o que realmente se passa, como podem se dar as
relações em uma sala de aula entre alunos surdos e ouvintes, professores
e alunos que vivenciam esta experiência de inclusão precisariam
conhecer algo diverso, conhecer melhor a surdez e sua realidade, de
modo a refletir sobre o que têm vivido. “O mito da caverna” termina
dizendo que:
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Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
(...) Mas ele se entristeceria se seus companheiros da caverna ficassem ainda
em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das coisas. Assim,
ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo da
ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido
como um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade
que eles pensam ser a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles
o desprezariam (...).
O texto de Platão pode iluminar alguns pontos das discussões
aqui apresentadas. Na situação da escola inclusiva, não são os alunos
surdos ou os alunos ouvintes os responsáveis por voltarem para a caverna
e tentarem convencer seus companheiros de que há uma outra realidade
possível de ser vivida, pois, afinal, são crianças e seria uma responsabilidade
bastante grande. Mas os profissionais envolvidos neste
trabalho, especialmente os intérpretes, os professores e os pesquisadores
conhecem outras realidades, a realidade da surdez, a realidade escolar,
e não podem se calar, sendo responsáveis por dar a conhecer os
limites e os problemas enfrentados nas “cavernas da inclusão”.
Sobre a educação de surdos
A questão da inclusão não é algo que envolve apenas a surdez,
mas se refere a uma reflexão mais ampla da sociedade, buscando formas
de melhor se relacionar com sujeitos de outra cultura, que falam
outra língua, que professam outra fé religiosa, entre outros. Trata-se de
um tema muito debatido atualmente e que busca refletir sobre formas
adequadas de convivência, ampliando os conhecimentos sobre a realidade
cultural do outro, sem restrição ou exigência de adaptação às regras
do grupo majoritário. Trata-se de uma discussão sobre os modos
de convivência dos grupos humanos nas suas diferenças que não é simples
e que não se mostra ainda bem resolvida, seja na esfera política,
religiosa, econômica ou educacional.
Nesse cenário, a educação dos surdos é um tema polêmico que
gera sempre debates acalorados, pois, de um lado, estão o respeito às
questões da diferença lingüística, à identidade surda, e os modos próprios
de relação cultural (apreensão do mundo) que os sujeitos surdos
têm; de outro lado, a preocupação com a inclusão deste grupo na comunidade
majoritária, respeitando suas diferenças e necessidades, mas
atentando para que não se constitua como uma comunidade à parte,
Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 181
Disponível em
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
marginalizada. Este debate acaba se materializando na defesa, de um
lado, de escolas de surdos e, de outro, pela inserção do aluno surdo na
escola de todos.
Os dados deste estudo indicam o quanto um modelo, ainda que
considerado inclusivo por seus participantes, pode não ser nada inclusivo.
O aluno surdo, apesar de presente (fisicamente), não é considerado
em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um
sucesso. As reflexões apontam que a inclusão no ensino fundamental é
muito restritiva para o aluno surdo, oferecendo oportunidades reduzidas
de desenvolvimento de uma série de aspectos fundamentais (lingüísticos,
sociais, afetivos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem apoiados
nas interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de
uma língua comum impede a participação em eventos discursivos que
são fundamentais para a constituição plena dos sujeitos.
Desse modo, uma inclusão cuidadosa que levasse em conta os
vários aspectos aqui discutidos poderia ser proveitosa para alunos surdos
em níveis mais elevados de ensino, quando já tivessem melhor consolidado
seus conhecimentos de linguagem, sociais e afetivos, entre
muitos outros.
A experiência de inclusão parece ser muito benéfica para os alunos
ouvintes que têm a oportunidade de conviver com a diferença, que
podem melhor elaborar seus conceitos sobre a surdez, a língua de sinais
e a comunidade surda, desenvolvendo-se como cidadãos menos
preconceituosos. Todavia, o custo dessa aprendizagem/elaboração não
pode ser a restrição de desenvolvimento do aluno surdo. Será necessário
pensar formas de convivência entre crianças surdas e ouvintes, que
tragam benefícios efetivos para ambos os grupos.
Assim, para o aluno surdo, que deve cursar o ensino fundamental,
será efetivamente melhor uma escola na qual os conteúdos sejam
ministrados em sua língua de domínio, que ele tenha professores e
companheiros que partilhem com ele a língua de sinais, de modo a poder
se desenvolver o mais plenamente possível, como é oportunizado
para crianças ouvintes no ensino fundamental.
A tarefa é criar espaços educacionais onde a diferença esteja presente,
onde se possa aprender com o outro, sem que aspectos fundamentais
do desenvolvimento de quaisquer dos sujeitos sejam prejudicados. A
escola, para além dos conteúdos acadêmicos, tem espaço para atividades
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Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
esportivas, de lazer, de artes e de criação, nas quais poderiam conviver
crianças com diferentes necessidades, desde que as atividades fossem preparadas
e pensadas para isso. Não se trata de inserir a criança surda nas
atividades propostas para ouvintes, mas de pensar atividades que possam
ser integradoras e significativas para surdos e ouvintes.
Desse modo, este estudo procura revelar problemas implicados
em experiências de inclusão de alunos surdos, ainda que aparentemente
‘bem sucedidas’, indicando a necessidade de pensar um modelo
novo de escola e não de fazer caber o aluno surdo no modelo que já
está ai. Este modelo foi concebido para a semelhança e não para o acolhimento
das diferenças, e se a escola pretende acolher a diferença, ela
precisa ser repensada de modo a respeitar de fato as singularidades,
promovendo espaços de convivência e conhecimento mútuo.
Recebido em outubro de 2005 e aprovado em fevereiro de 2006.
Notas
1. Documentos produzidos em conferência mundial, da qual participaram várias representações
governamentais, além da UNESCO.
2. Breve resumo do mito descrito por Platão, com base no site.
Acesso em: 29 abr. 2003.
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS:
O QUE DIZEM ALUNOS, PROFESSORES E INTÉRPRETES
SOBRE ESTA EXPERIÊNCIA
CRISTINA BROGLIA FEITOSA DE LACERDA*
RESUMO: Este artigo focaliza uma experiência de inclusão de aluno
surdo em escola regular, com a presença de intérprete de língua de sinais.
Alunos, professores e intérpretes envolvidos foram entrevistados
e seus depoimentos analisados. Os dados indicam problemas que
ocorrem no espaço escolar, alguns identificados pelos entrevistados
como desconhecimento sobre a surdez e sobre suas implicações educacionais,
dificuldades na interação professor/intérprete e a incerteza
em relação ao papel dos diferentes atores neste cenário. Os depoimentos
apontam ainda dificuldades com adaptações curriculares e
estratégias de aula, exclusão do aluno surdo de atividades. Todavia,
tais aspectos são negligenciados, já que há um pressuposto tácito de
que a inclusão escolar é um bem em si. Pretende-se contribuir para a
reflexão acerca de práticas inclusivas envolvendo surdos, procurando
compreender seus efeitos, limites e possibilidades e buscando uma
atitude educacional responsável e conseqüente frente a este grupo.
Palavras-chave: Inclusão escolar. Surdez. Intérprete de Língua Brasileira
de Sinais.
SCHOOL INCLUSION OF DEAF STUDENTS: WHAT STUDENTS, TEACHERS
AND INTERPRETERS SAY ABOUT THIS EXPERIENCE
ABSTRACT: This paper focuses on the experience of deaf student
inclusion in a regular school, with the presence of sign language interpreters.
The students, teachers and interpreters involved were
interviewed and their statements were analyzed. These data describes
the problems occurring at school as ignorance on deafness
* Doutora em Educação e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso
de Fonoaudiologia da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). E-mail:
cristinalacerda@uol.com.br
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
and its educational implications, difficulties in the professor/interpreter
interaction and uncertainty about the role of the different
actors involved. They also highlight difficulties with curricular
adaptations and class strategies, and the exclusion of the deaf
student from activities. Nevertheless, such aspects are disregarded
because it is tacitly assumed that school inclusion is good
in itself. We intend to contribute to a reflection about inclusive
practices involving the deaf, seeking to understand their effects,
limits and possibilities and looking for a responsible and coherent
educational attitude toward this group.
Key words: School inclusion. Deafness. Brazilian sign language interpreter.
Introdução
educação de pessoas surdas é um tema bastante preocupante. Pesquisas
desenvolvidas no Brasil e no exterior indicam que um número
significativo de sujeitos surdos que passaram por vários anos
de escolarização apresenta competência para aspectos acadêmicos muito
aquém do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas capacidades
cognitivas iniciais serem semelhantes. Uma evidente inadequação do sistema
de ensino é denunciada por estes dados, revelando a urgência de
medidas que favoreçam o desenvolvimento pleno destas pessoas.
No mundo todo, a partir da década de 1990, difundiu-se com força
a defesa de uma política educacional de inclusão dos sujeitos com necessidades
educativas especiais, propondo maior respeito e socialização efetiva
destes grupos e contemplando, assim, também a comunidade surda.
Houve um movimento de desprestigio dos programas de educação especial
e um incentivo maciço para práticas de inclusão de pessoas surdas em
escolas regulares (de ouvintes).
Desse modo, diversas têm sido as formas de realização da inclusão.
Todavia, é inegável que a maioria dos alunos surdos sofreu uma escolarização
pouco responsável. Este artigo pretende, então, a partir de uma experiência
de inclusão de aluno surdo em uma escola regular, com a presença
de intérprete de língua de sinais, focalizar e avaliar aspectos dessa
experiência do ponto de vista de alunos surdos e ouvintes, intérpretes e
professores implicados nesta vivência. Para tal, foram realizadas entrevistas
com estes sujeitos e analisados seus depoimentos.
Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 165
Disponível em
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
Surdez, linguagem e inclusão escolar
A linguagem é responsável pela regulação da atividade psíquica humana,
pois é ela que permeia a estruturação dos processos cognitivos. Assim,
é assumida como constitutiva do sujeito, pois possibilita interações
fundamentais para a construção do conhecimento (Vigotski, 2001). A linguagem
é adquirida na vida social e é com ela que o sujeito se constitui
como tal, com suas características humanas, diferenciando-se dos demais
animais. É no contato com a linguagem, integrando uma sociedade que
faz uso dela, que o sujeito a adquire. Já para as pessoas surdas, esse contato
revela-se prejudicado, pois a língua oral é percebida por meio do canal auditivo,
alterado nestas pessoas.
Assim, os sujeitos surdos pela defasagem auditiva enfrentam dificuldades
para entrar em contato com a língua do grupo social no qual
estão inseridos (Góes, 1996). Desse modo, no caso de crianças surdas, o
atraso de linguagem pode trazer conseqüências emocionais, sociais e
cognitivas, mesmo que realizem aprendizado tardio de uma língua.
Devido às dificuldades acarretadas pelas questões de linguagem, observa-
se que as crianças surdas encontram-se defasadas no que diz respeito
à escolarização, sem o adequado desenvolvimento e com um conhecimento
aquém do esperado para sua idade. Disso advém a necessidade de elaboração
de propostas educacionais que atendam às necessidades dos sujeitos
surdos, favorecendo o desenvolvimento efetivo de suas capacidades.
Partindo do conhecimento sobre as línguas de sinais, amplamente
utilizadas pelas comunidades surdas, surge a proposta de educação bilíngüe
que toma a língua de sinais como própria dos surdos, sendo esta, portanto,
a que deve ser adquirida primeiramente. É a partir desta língua que
o sujeito surdo deverá entrar em contato com a língua majoritária de seu
grupo social, que será, para ele, sua segunda língua. Assim, do mesmo
modo que ocorre quando as crianças ouvintes aprendem a falar, a criança
surda exposta à língua de sinais irá adquiri-la e poderá desenvolver-se, no
que diz respeito aos aspectos cognitivos e lingüísticos, de acordo com sua
capacidade. A proposta de educação bilíngüe, ou bilingüismo, como é
comumente chamada, tem como objetivo educacional tornar presentes
duas línguas no contexto escolar, no qual estão inseridos alunos surdos.
Discutir a educação de surdos implica discutir também o tema inclusão
escolar, tratado mundialmente. Na década de 1990, muitos países
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
assumiram a inclusão como tarefa fundamental da educação pública e
diferentes tentativas foram colocadas em prática buscando viabilizá-la.
Estudiosos como Bunch (1994), Cohen (1994) e Kirchner (1994), no
exterior, e Silveira Bueno (1994), Massota (1996) e Sassaki (1997), no
Brasil, entre outros, argumentam que todos os alunos devem ter as mesmas
oportunidades de freqüentar classes regulares próximas à sua moradia,
defendem a necessidade de um programa educacional adequado às
capacidades dos diferentes alunos, e que promova desafios a todas as crianças
atendidas. Destacam também a importância de oferecimento de
suporte e assistência às crianças com necessidades especiais e aos professores,
para que o atendimento seja o melhor possível.
A defesa deste modelo educacional se contrapõe ao modelo anterior
de educação especial, que favorecia a estigmatização e a discriminação. O
modelo inclusivo sustenta-se em uma filosofia que advoga a solidariedade
e o respeito mútuo às diferenças individuais, cujo ponto central está na
relevância da sociedade aprender a conviver com as diferenças. Contudo,
muitos problemas são enfrentados na implementação desta proposta, já
que a criança com necessidades especiais é diferente, e o atendimento às
suas características particulares implica formação, cuidados individualizados
e revisões curriculares que não ocorrem apenas pelo empenho do professor,
mas que dependem de um trabalho de discussão e formação que
envolve custos e que tem sido muito pouco realizado.
A inclusão apresenta-se como uma proposta adequada para a comunidade
escolar, que se mostra disposta ao contato com as diferenças,
porém não necessariamente satisfatória para aqueles que, tendo necessidades
especiais, necessitam de uma série de condições que, na maioria
dos casos, não têm sido propiciadas pela escola.
Antia e Stinson (1999) assumem a tarefa de confrontar diversos
estudos sobre a inclusão, ilustrando a evolução das discussões nesta área.
Referem-se a várias experiências de inclusão de crianças surdas, nas quais
a almejada integração social e acadêmica não ocorre efetivamente. O problema
central, segundo os estudos, é o acesso à comunicação, já que são
necessárias intervenções diversas (boa amplificação sonora, tradução simultânea,
apoio de intérprete, entre outros), que nem sempre tornam
acessíveis os conteúdos tratados em classe. A dificuldade maior está em
oportunizar uma cultura de colaboração entre alunos surdos e ouvintes,
e que professores e especialistas que participam da atividade escolar constituam
uma equipe com tempo reservado para organização de atividaCad.
Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 167
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
des, trabalhando conjuntamente numa ação efetiva de proposição de atividades
que atendam às necessidades de todos os alunos. Outro ponto
abordado é a necessidade de participação de membros da comunidade
surda na escola, favorecendo o desenvolvimento de aspectos da identidade
surda dessas crianças. Antia e Stinson (op. cit.) argumentam que uma
inclusão nestes moldes pode efetivamente beneficiar todos os alunos envolvidos,
mas esta não é freqüentemente desenvolvida.
As reflexões apresentadas referem-se à realidade de diversos países
que, rompendo com as premissas da medicalização ou da segregação
e buscando uma escola para todos, discutem modelos de educação
inclusiva capazes de atender às diferenças. Entretanto, vários destes estudos,
realizados em países do primeiro mundo, com condições gerais
de educação satisfatórias, indicam dificuldades de implantação dessas
propostas, que são definidas legalmente de forma ideal, mas que na
prática são de difícil implementação.
Refletindo sobre aspectos da inclusão no Brasil
O movimento da chamada educação inclusiva, que emerge apoiado
pela Declaração de Salamanca1 (1994), defende o compromisso que
a escola deve assumir de educar cada estudante, contemplando a pedagogia
da diversidade, pois todos os alunos deverão estar dentro da escola
regular, independente de sua origem social, étnica ou lingüística.
Assim, de acordo com Mazzota (1996), a implementação da inclusão
tem como pressuposto um modelo no qual cada criança é importante
para garantir a riqueza do conjunto, sendo desejável que na classe regular
estejam presentes todos os tipos de aluno, de tal forma que a escola
seja criativa no sentido de buscar soluções visando manter os diversos
alunos no espaço escolar, levando-os a obtenção de resultados
satisfatórios em seu desempenho acadêmico e social.
A inclusão escolar é vista como um processo dinâmico e gradual,
que pode tomar formas diversas a depender das necessidades dos alunos,
já que se pressupõe que essa integração/inclusão possibilite, por
exemplo, a construção de processos lingüísticos adequados, de aprendizado
de conteúdos acadêmicos e de uso social da leitura e da escrita,
sendo o professor responsável por mediar e incentivar a construção do
conhecimento através da interação com ele e com os colegas.
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
Botelho (1998) e Lacerda (2000), entre outros autores, alertam
para o fato de que o aluno surdo, freqüentemente, não compartilha uma
língua com seus colegas e professores, estando em desigualdade lingüística
em sala de aula, sem garantia de acesso aos conhecimentos trabalhados,
aspectos estes, em geral, não problematizados ou contemplados pelas
práticas inclusivas.
Laplane (2004) argumenta que acreditar que valores e princípios da
educação inclusiva sejam capazes de promover instituições mais justas do
que aquelas que fundamentaram a segregação, compreender que o discurso
em defesa da inclusão se constituiu historicamente como oposto ao da
segregação e, nesse contexto, reconhecer a importância de destacar as vantagens
da educação inclusiva não pode ocultar os problemas todos que esta
mesma “educação inclusiva” impõe. A autora defende que a questão central
dos ideais da educação inclusiva se confronta com a desigualdade social
presente no Brasil e em outros paises em desenvolvimento.
(...) A análise das tendências que marcam o processo de globalização não deixa
dúvidas quanto aos valores que privilegia e aos modos como se organiza.
No contexto do acirramento das diferenças sociais provocado pelas tendências
globalizantes, pela concentração de riqueza e pelos processos que a
acompanham (redução do emprego, encolhimento do Estado etc.), a
implementação de políticas realmente inclusivas deve enfrentar grandes problemas.
O “elogio da inclusão” apresenta a vantagem de arrolar argumentos para a
defesa das políticas inclusivas. Mas para que seja realmente eficaz é preciso
que o discurso se feche sobre si próprio, aparecendo como uma totalidade
que não admite questionamentos. (Laplane, 2004, p. 17-18)
A fragilidade das propostas de inclusão, neste sentido, residem no
fato de que, freqüentemente, o discurso contradiz a realidade educacional
brasileira, caracterizada por classes superlotadas, instalações físicas insuficientes,
quadros docentes cuja formação deixa a desejar. Essas condições
de existência do sistema educacional põem em questão a própria
idéia de inclusão como política que, simplesmente, propõe a inserção dos
alunos nos contextos escolares presentes. Assim, o discurso mais corrente
da inclusão a circunscreve no âmbito da educação formal, ignorando as
relações desta com outras instituições sociais, apagando tensões e contradições
nas quais se insere a política inclusiva, compreendida de forma
mais ampla (Laplane, 2004).
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Disponível em
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
Sobre a pesquisa
A sala de aula focalizada como alvo desse estudo é uma quinta série
do ensino fundamental, de uma escola da rede privada, que conta
com 29 alunos ouvintes, uma criança surda e a presença de duas intérpretes
de língua de sinais que se revezam neste trabalho. A faixa etária
dos alunos varia de 10 a 12 anos, sendo 17 meninas e 12 meninos. A
criança surda é acompanhada, desde os 6 anos de idade, de intérprete
educacional contratada e paga pela família. Ela freqüenta esta escola há
um ano e meio; é a primeira experiência com aluno surdo e intérprete
em sala de aula desta instituição. A criança, com 12 anos de idade, é
portadora de surdez profunda bilateral, adquirida por meningite aos 3
anos de idade. Filha de pais ouvintes, não tem domínio do português
falado e é usuária da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).
Quando da entrada do aluno surdo nesta escola, a direção se
mostrou interessada pelo processo de inclusão com a presença de intérprete
de LIBRAS e afirmou que seria feito um trabalho conjunto para
o sucesso da inclusão: coordenação, professores, intérprete, família,
fonoaudióloga e alunos. Todavia, após o início do ano letivo, poucos
encontros ocorreram, sendo inicialmente mensais, e durante a quinta
série só ocorreram encontros mediante a solicitação das intérpretes e
da fonoaudióloga. A escola julgava a inclusão bastante satisfatória e não
via necessidade de discussões.
Apesar das solicitações feitas pelas intérpretes e pela fonoaudióloga
do aluno surdo, não foram realizadas reuniões de planejamento para oferecer
mais informações sobre a surdez, sobre o aluno surdo, sobre a adequação
das estratégias em sala de aula e sobre o papel do intérprete aos
novos professores da quinta série. A direção escolar prometeu tais reuniões,
mas não as realizou, alegando falta de horário disponível.
Na quinta série focalizada, são oito os professores responsáveis pelas
diversas disciplinas ministradas: Português, Matemática, Inglês, Ciências,
Geografia, História, Educação Física e Artes. As aulas têm a duração
de 50 minutos. As dinâmicas de aula variam de acordo com cada
professor e com os conteúdos, mas há um predomínio de aulas
expositivas com uso preferencial do quadro negro como apoio para as explicações.
Eventualmente, são usados recursos como vídeos, mapas ou
transparências.
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Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
Em geral, os alunos assistem e participam respondendo a perguntas
em aulas expositivas, mas com alguma freqüência são realizadas
atividades em grupo. Os grupos se alternam bastante e não têm uma
configuração estável.
O aluno surdo estava sempre acompanhado de uma das intérpretes
(que se revezavam em dias alternados da semana) e esta se sentava ao
seu lado, ou na frente da classe, dependendo do tipo de atividade proposta.
Na realidade brasileira, são poucas as pessoas com formação específica
para atuarem como intérpretes da LIBRAS. Tem crescido o número
de cursos oferecidos, todavia eles se concentram nos grandes centros, atingindo
um número restrito de pessoas. Desse modo, é difícil encontrar,
em cidades do interior, pessoas com formação específica como intérprete
da LIBRAS e que se disponham a atuar como intérprete educacional, já que
este trabalho exige dedicação de muitas horas semanais, com horários fixos.
Assim, as duas intérpretes entrevistadas foram pessoas que aceitaram
trabalhar nas condições necessárias ao trabalho escolar, tinham um
bom conhecimento da LIBRAS, interesse/capacitação para trabalhar no âmbito
pedagógico e disponibilidade de horários.
Entrevista e sujeitos entrevistados
Para o estudo, foi realizado um esclarecimento sobre objetivos e
procedimentos para: direção e coordenação da escola, professores, alunos
ouvintes, aluno surdo, famílias dos alunos ouvintes, família do aluno
surdo e intérpretes. As intérpretes foram entrevistadas separadamente,
cada uma em dia e horário previamente combinados, fora do
ambiente escolar. Mostraram-se interessadas em participar, especialmente
porque queriam conhecer melhor sua própria realidade de trabalho,
e não criaram dificuldades para a realização da entrevista.
Realizar a entrevista com os professores, entretanto, não foi tarefa
fácil. Foram marcados diversos encontros na própria escola, em horários
definidos por eles, já que alegaram não ter outro momento disponível
a não ser aquele em que estavam na escola. Todavia, mesmo
respeitando estes horários, o pesquisador não era atendido, por uma
série de motivos: esquecimento, reuniões marcadas ao improviso e outros
compromissos escolares, o que fez as entrevistas serem remarcadas
Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 171
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
muitas vezes. Ao final de várias tentativas, os próprios professores (aqueles
mais participantes de discussões que envolviam o aluno surdo) propuseram
que a entrevista fosse feita com dois deles, professora de português
e professor de história, juntos, e diante das dificuldades tal proposta
foi aceita.
Em relação aos alunos ouvintes, buscou-se sondar quais estariam
mais disponíveis para participar de uma entrevista a partir de sugestões
do aluno surdo, intérpretes e família do aluno surdo. Tais alunos foram
contatados, bem como suas famílias, e, depois de várias tentativas, uma
das alunas sugeriu que o pesquisador fosse até a casa dela, pois convidaria
uma outra colega de classe para que então fosse realizada a entrevista.
As alunas se mostraram à vontade e participativas e julgou-se que os dados
coletados foram bastante adequados aos propósitos da pesquisa.
O aluno surdo foi entrevistado pela pesquisadora e uma intérprete
(diferente daquelas que o seguem em sala de aula, porém sua conhecida),
para garantir que a comunicação em LIBRAS fosse satisfatória. A entrevista
foi filmada para possibilitar a transcrição adequada da LIBRAS.
As entrevistas, no geral, duraram em média uma hora e meia cada
uma; à exceção da entrevista com o aluno surdo, as demais foram gravadas
em áudio. Todas foram transcritas integralmente para posterior análise.
Professores
O fluxo geral dos depoimentos aponta para a satisfação dos professores
diante dos resultados dessa experiência, relatando que suas aulas
transcorrem normalmente; que as presenças do aluno surdo e intérprete
são facilmente assimiladas na rotina escolar; e que percebem um bom
relacionamento entre os alunos e um bom rendimento geral do aluno
surdo. Todavia, uma análise mais atenta do mesmo material revela paradoxalmente
a falta de preparação para esta prática, desinformação geral
acerca do argumento surdez e suas peculiaridades, ausência de planejamento
de ações coordenadas que levem em conta a presença do intérprete
e, talvez, o aspecto mais importante, a não consciência de que existem
muitos problemas ocorrendo neste espaço, que mereceriam atenção
e ações por parte dos professores.
Os professores referem-se a uma experiência que transcorre bem,
que não causa estranhamento e que, portanto, não demanda ajustes e
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Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
pode ser mantida como está, porque os incômodos são mínimos e não
merecem maior cuidado. A realidade é vista apenas parcialmente,
esfumaçada, e isso parece garantir a tranqüilidade para o trabalho.
Porém, no próprio fluxo da entrevista os professores dão alguns sinais
de que percebem, ainda que de maneira tênue, que algo precisa ser
repensado: “Aquela história que nem maestro, a gente vê maestro erguer a
mão numa orquestra, pensa que é chegar lá na frente, um sinalzinho...”,
diz o professor de História referindo-se ao trabalho da intérprete, demonstrando,
ainda que fugazmente, perceber que há muito mais a ser compreendido.
Os depoimentos da professora de Português falam de suas dúvidas
e reflexões após o contato com informações mais aprofundadas sobre
língua de sinais e educação de surdos, também indicando que percebe que
há pontos obscuros que merecem ser repensados. Os depoimentos revelam
e escondem problemas presentes nesta prática, mas, de maneira geral,
os entrevistados referem-se à experiência como satisfatória.
Alunos ouvintes
Os depoimentos dos alunos ouvintes revelam que o aluno surdo
é acolhido pela classe, visto com respeito e que conta com a amizade
de vários companheiros. Entretanto, também revelam uma super valorização
destas relações, como se não houvesse problemas e como se tudo
se desenvolvesse satisfatoriamente.
As alunas entrevistadas falam de um ambiente ‘feliz’, no qual o
aluno é querido, tem boas relações, e que todos conhecem sinais que
são suficientes para uma comunicação eficiente. Neste ambiente, ele se
mostra um bom aluno e o seu trabalho com a intérprete é acolhido
sem dificuldades. Faz pensar em um ambiente tranqüilo, no qual não
existem problemas. Entretanto, nos mesmos depoimentos, é possível
perceber que a língua de sinais é vista como algo difícil, trabalhosa para
aprender e que, às vezes, é um pouco chata; que o amigo surdo é ‘legal’,
mas faz coisas estranhas que, freqüentemente, não são compreendidas
e que se espera que ele aprenda a falar e fale.
Configura-se um paradoxo entre aquilo que parece importante que
se acredite e aquilo que é efetivamente vivenciado. A relação entre alunos
ouvintes e surdo não se revela sempre difícil, há aceitação e compreensão
de suas características, mas não se revela sempre fácil, há dificuldades de
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
relação, de conhecimento sobre a surdez e de aceitação de certas características.
Porém, os aspectos mais difíceis da relação são ocultados, aparecendo
apenas nas entrelinhas, percebidos como menos importantes. Há
um saldo geral positivo e isso é o que conta. Também entre as crianças
parece não haver estranhamento e apreensão em relação a essa experiência
nova, que permita uma visão mais realística do que ocorre.
Aluno surdo
A leitura da entrevista do aluno surdo faz pensar que ele tenha
uma compreensão particular de sua escolarização. Freqüentar uma classe
de ouvintes não é uma opção para ele, mas algo normal e o único
contexto escolar que conhece. Do mesmo modo, lhe parece normal ser
acompanhado quotidianamente por uma intérprete, pois durante toda
sua vida escolar teve ao seu lado alguém interpretando.
Em relação aos seus amigos, sabe que eles conhecem alguns sinais
e os reconhece como tendo domínio da língua de sinais, proporcionando
uma comunicação entre eles efetiva e sem maiores problemas. Reconhece
que seus professores não conhecem sinais, mas isso não traz problemas,
porque tem a intérprete ao seu lado que o ajuda em suas tarefas
escolares. Não parece se sentir sozinho ou isolado. Vive em uma ilha,
dentro de sua sala de aula, e isso lhe parece adequado; vê seu relacionamento
restrito às intérpretes e às poucas trocas dialógicas com os alunos
ouvintes como natural.
Entretanto, para aqueles que conhecem a vivência escolar entre
crianças ouvintes, as possibilidades de trocas entre alunos e professores e
a riqueza de informações que circulam quando se está em um grupo com
o qual se compartilha uma mesma língua, a situação do aluno surdo parece
insólita: em uma quinta série não conhece o nome dos amigos, não
se relaciona diretamente com os professores, tem apenas um interlocutor
efetivo no espaço escolar, está sempre acompanhado por um adulto, configurando
uma situação que não pode ser chamada de satisfatória. Ele,
provavelmente, por não conhecer outra realidade, mostra-se bem adaptado
a sua situação. Como não conhece algo diferente, acredita que esta
convivência seja plena e se satisfaz com ela. Cabe refletir se esta vivência
escolar é realmente plena e se este é o espaço educacional que se deseja
para os alunos surdos.
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Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
Intérpretes de língua de sinais
As questões acerca do papel do intérprete educacional apontadas
nas entrevistas mostram que é preciso intensificar os estudos nessa área,
pois em vários recortes foi possível observar o quanto essa atuação é pouco
refletida e compreendida, o que determina dificuldades para esse trabalho.
Uma questão central é definir melhor a função do intérprete educacional;
figura desconhecida, nova, que, com um delineamento mais
adequado (direitos e deveres do intérprete, limites da interpretação, divisão
do papel de intérprete e de professor, relação do intérprete com
alunos surdos e ouvintes em sala de aula, entre outros), poderia favorecer
um melhor aproveitamento deste profissional no espaço escolar.
A literatura aponta que no contexto escolar, especialmente aquele
que envolve crianças mais novas, é impossível desempenhar um papel estritamente
de intérprete (Antia & Kreimeiyer, 2001). O intérprete participa
das atividades, procurando dar acesso aos conhecimentos e isso se
faz com tradução, mas também com sugestões, exemplos e muitas outras
formas de interação inerentes ao contato cotidiano com o aluno surdo
em sala de aula. Todavia, se este papel não estiver claro para o próprio
intérprete, professores, alunos e aluno surdo, o trabalho torna-se
pouco produtivo, pois se desenvolve de forma insegura, com desconfiança,
desconforto e superposições.
É preciso reconhecer que a presença do intérprete em sala de aula
tem como objetivo tornar os conteúdos acadêmicos acessíveis ao aluno surdo.
Entretanto, o objetivo último do trabalho escolar é a aprendizagem do
aluno surdo e seu desenvolvimento em conteúdos acadêmicos, de linguagem,
sociais, entre outros. A questão central não é traduzir conteúdos, mas
torná-los compreensíveis, com sentido para o aluno. Deste modo, alguém
que trabalhe em sala de aula, com alunos, tendo com eles uma relação estreita,
cotidiana, não pode fazer sinais – interpretando – sem se importar
se está sendo compreendido, ou se o aluno está aprendendo. Nessa experiência,
o interpretar e o aprender estão indissoluvelmente unidos e o intérprete
educacional assume, inerentemente ao seu papel, a função de também
educar o aluno. Isso é premente no ensino fundamental, onde se
atendem crianças que estão entrando em contato com conteúdos novos e,
muitas vezes, com a língua de sinais, mas deve estar presente também em
níveis mais elevados de ensino, porque se trata de um trabalho com finalidade
educacional que pretende alcançar a aprendizagem.
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Disponível em
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
A questão da falta de um planejamento conjunto, da falta de um
trabalho de equipe e de uma concepção mais clara do que signifique aceitar
um aluno surdo em sala de aula também foi trazida pelas intérpretes.
Elas se referem a tentar fazer o melhor possível num espaço adverso
e cheio de dificuldades de relação, já que muitas vezes o professor não
assume seu papel diante do aluno surdo, delegando funções a elas ou
propondo atividades que não fazem qualquer sentido para este aluno. Falam
de si mesmas como excluídas do processo educacional, à margem,
buscando fazer, apesar disso, o melhor possível para que o aluno surdo
desenvolva suas potencialidades no espaço escolar. Discussões constantes
sobre a tarefa de cada um no espaço inclusivo, atribuições e trocas de
percepções se mostram essenciais e são um primeiro passo para uma convivência
tranqüila e que possa trazer ganhos efetivos ao aluno surdo.
Seus depoimentos relevam ainda que tanto a escola quanto os professores
conhecem muito pouco sobre a surdez e suas peculiaridades, não
compreendendo adequadamente o aluno surdo, sua realidade e suas dificuldades
de linguagem etc.
Levantou-se também nas entrevistas a importância de haver um
espaço para atualização do aprendizado de língua de sinais por parte das
intérpretes, para discussões sobre o uso adequado desta língua no espaço
pedagógico. Esta é uma questão abordada em outras pesquisas e foco de
atenção em muitas experiências inclusivas (Napier, 2002). Todavia, no
Brasil, esta questão é percebida pelos intérpretes que realizam este trabalho,
mas pouco ou nada é feito para suprir esta necessidade.
Essas considerações indicam a importância de se realizarem estudos
direcionados para a inclusão de alunos surdos com inserção de intérpretes
de Língua Brasileira de Sinais em sala de aula, na tentativa de avaliar
como este processo vem ocorrendo, como já se faz em outros países,
e até mesmo avaliar os efeitos de tal processo nas séries iniciais de
escolarização.
Reflexões sobre a inclusão escolar do aluno surdo
A questão das dificuldades de comunicação dos surdos é bastante
conhecida, mas, na realidade brasileira, as leis (10.436, 24 de abril
de 2002, que dispõe sobre a língua de sinais brasileira, e mais recentemente
o Decreto 5626/05, que regulamenta as leis 10.098/94 e
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
10.436/02 e orienta ações para o atendimento à pessoa surda) e este
conhecimento não têm sido suficientes para propiciar que o aluno surdo,
que freqüente uma escola de ouvintes, seja acompanhado por um
intérprete. Além disso, a presença do intérprete de língua de sinais não
é suficiente para uma inclusão satisfatória, sendo necessária uma série
de outras providências para que este aluno possa ser atendido adequadamente:
adequação curricular, aspectos didáticos e metodológicos, conhecimentos
sobre a surdez e sobre a língua de sinais, entre outros.
Assim, muitos dos aspectos da realidade escolar de inclusão apontados
neste estudo não são singulares, como pode parecer em princípio.
A presença de um intérprete de LIBRAS em escolas brasileiras é, sem dúvida,
algo ainda pouco comum. Contudo, a desinformação dos professores
e o desconhecimento sobre a surdez e sobre modos adequados de atendimento
ao aluno surdo são freqüentes. A prática de muitos anos de
acompanhamento de crianças surdas permite afirmar que, infelizmente,
a maior parte das inclusões escolares de surdos é pouco responsável. A
escola se mostra inicialmente aberta a receber a criança (também porque
há a força da lei que diz que a escola deve estar aberta à inclusão), discute
as características da criança no momento de sua entrada e, depois, a insere
na rotina, sem qualquer cuidado especial. Em geral, com o passar
do tempo, a criança parece bem, já que não apresenta muitos problemas
de comportamento, e todos parecem achar que está tudo certo: a) a escola
não se preocupa mais com a questão, porque se preocupar significaria
buscar outras ajudas profissionais (intérprete, educador surdo, professor
de apoio etc.), e a escola pública brasileira, em geral, não conta nem com
a equipe básica de educadores para atender as necessidades dos alunos
ouvintes; b) os professores, que percebem que o aluno não evolui, mas não
sabem o que devem fazer, por falta de conhecimento e preparo; c) os alunos
ouvintes, que acolhem, como podem, a criança surda sem saber bem
como se relacionar com ela; d) o aluno surdo, que, apesar de não conseguir
seguir a maior parte daquilo que é apresentado em aula, simula estar
acompanhando as atividades escolares, pois afinal todas aquelas pessoas
parecem acreditar que ele é capaz; e) a família, que sem ter outros
recursos precisa achar que seu filho está bem naquela escola.
Ao final de anos de escolarização, a criança recebe o certificado escolar
sem que tenha sido minimamente preparada para alcançar os conhecimentos
que ela teria potencial para alcançar (em muitos casos, termina
a oitava série com conhecimentos de língua portuguesa e
Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 163-184, maio/ago. 2006 177
Disponível em
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
matemática compatíveis com a terceira série). Esta realidade é gravíssima
e tem se repetido no Brasil, a cada ano. Torna-se urgente intervir e modificar
estes fatos.
A presença de um intérprete de língua de sinais em sala de aula
pode minimizar alguns aspectos deste problema, em geral, favorecendo
uma melhor aprendizagem de conteúdos acadêmicos pelo aluno,
que teria ao menos acesso (se conhecesse a língua de sinais, ou pudesse
adquiri-la) aos conteúdos trabalhados. Todavia, este aluno continua inserido
em um ambiente pensado e organizado para alunos ouvintes.
Para que este ambiente se torne minimamente adequado às necessidades
de alunos surdos, são necessárias mudanças e adaptações que se encontram
distantes de serem realizadas.
O aluno surdo é usuário de uma língua que nenhum companheiro
ou professor efetivamente conhece. Ele é um estrangeiro que
tem acesso aos conhecimentos de um modo diverso dos demais e se
mantém isolado do grupo (ainda que existam contatos e um relacionamento
amigável). A questão da língua é fundamental, pois, sem ela, as
relações mais aprofundadas são impossíveis, não se pode falar de sentimentos,
de emoções, de dúvidas, de pontos de vista diversos. As entrevistas
revelam que a relação do aluno surdo com os demais se limita a
trocas de informações básicas, que são enganosamente “imaginadas por
todos” como satisfatórias e adequadas. Ele, por não conhecer outras experiências,
só pode achar que este ambiente em que vive é bom: tem
amigos, vai à escola todos os dias, é bem tratado e tem a intérprete.
Todavia, tudo isso se mostra precário, longe daquilo que seria desejável
para qualquer aluno de sua idade.
Outro ponto importante, no que tange às questões de desenvolvimento,
é que o aluno surdo, como qualquer criança que freqüenta o
ensino fundamental, está em processo de desenvolvimento de linguagem,
de processos identificatórios, de construção de valores sociais e
afetivos, entre outros. É na escola que as crianças aprendem ou aperfeiçoam
formas de narrar, de descrever, modos adequados de usar a linguagem
em diferentes contextos, ampliando seu conhecimento lingüístico,
e experimentam regras de convivência social, regras de formação
de grupo e de valores sociais fundamentais para a adaptação da vida
em sociedade. É também na escola que emoções e afetos são vividos de
forma mais aberta, menos protegida, propiciando sucesso, insucesso,
ciúmes, competição, raiva; sentimentos importantes de serem conheci178
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Disponível em
A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
dos e exercitados para o convívio social. Além disso, é nesta etapa da
vida que os processos identificatórios se consolidam e o aluno surdo,
sozinho no ambiente escolar, em sua condição de surdez, pode, por isso
mesmo, enfrentar uma série de dificuldades.
Shaw e Jamienson (1997) discutem que os discursos de sala de
aula revelam papéis sociais e culturais nas interações que podem ser diferentes
em muitos aspectos daquilo que tratam normalmente os discursos
familiares. Assim, o discurso do professor guia a atenção dos alunos
para tarefas relevantes, avaliando suas respostas e sua adequação. Além
disso, muito do que é dito para outro aluno em uma explicação ou discussão
é ouvido pelo grupo e constitui um conhecimento adquirido, ainda
que não diretamente voltado para este ou aquele sujeito; neste ambiente,
onde um pergunta, outro responde e outro ouve, se constroem
muitas regras de conhecimento social e afetivo importantes para o desenvolvimento
da criança.
Nesse sentido, crianças surdas possuem estratégias de comunicação
muito peculiares, pois a maioria vem de lares ouvintes que não possibilitam
um desenvolvimento lingüístico no patamar das crianças ouvintes.
Assim, elas partem de uma exposição e de estratégias de linguagem
diferentes, estando expostas a um ambiente que usa simultaneamente
pistas visuais e auditivas, impondo a elas opções, dividindo sua atenção.
Em uma sala de aula para alunos ouvintes, isso se reproduz, já que o
professor passa as informações de acordo com aquilo que está acostumado,
sendo mais adequado aos ouvintes que às crianças surdas. Desse
modo, a criança surda está presente, mas está perdendo uma série de informações
fundamentais sobre questões de linguagem, sociais e afetivas
que lhe escapam justamente por sua condição de ser usuária de outra
língua, tendo acesso aos conteúdos apenas pela mediação do intérprete.
A criança surda tem um interlocutor único que usa uma linguagem filtrada,
escolar e própria para a tradução (Teruggi, 2003), sem outros modelos,
sem trocas, sem contato com tudo que circula entre coetâneos.
Trata-se de uma experiência restritiva, em um momento fundamental de
seu desenvolvimento, que precisa ser considerada.
A situação do aluno surdo incluído faz pensar no texto de Platão,
“O mito da caverna”, presente no Diálogo: A República.2
(...) homens vivendo numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda
a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Os habitantes desta caverCad.
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
na têm as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não podem mudar
de posição e olhem apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede.
Bem em frente da entrada da caverna existe um pequeno muro da
altura de um homem e, por trás desse muro, se movem homens carregando
sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira, representando
os mais diversos tipos de coisas. E lá no alto brilha o sol. A caverna também
produz ecos e os homens que passam por trás do muro falam de
modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna (...). Se fosse assim, certamente
os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das
pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco
das vozes. Entretanto, por nunca terem visto outra coisa, eles acreditariam
que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram
a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seria o som real das
vozes emitidas pelas sombras (...).
Assim, o aluno surdo, seus companheiros e professores (como os entrevistados
neste estudo) parecem ver apenas as sombras e os ecos e não
compreendem que as relações escolares poderiam se dar de modo diferente.
Ainda, seguindo o mito criado por Platão:
Suponhamos, agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das
correntes que o prendem. Com muita dificuldade e sentindo-se freqüentemente
tonto, ele se voltaria para a luz e começaria a subir até a entrada
da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria
a se habituar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os
olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro
e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas
possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras que antes
via na caverna, e que agora lhes parece algo irreal ou limitado. Suponhamos
que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente, ele
ficaria ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz; depois, habituando-
se, veria as várias coisas em si mesmas; e, por último, veria a própria
luz do sol refletida em todas as coisas. Compreenderia, então, que estas
e somente estas coisas seriam a realidade e que o sol seria a causa de todas
as outras coisas.
Para ver e saber o que realmente se passa, como podem se dar as
relações em uma sala de aula entre alunos surdos e ouvintes, professores
e alunos que vivenciam esta experiência de inclusão precisariam
conhecer algo diverso, conhecer melhor a surdez e sua realidade, de
modo a refletir sobre o que têm vivido. “O mito da caverna” termina
dizendo que:
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
(...) Mas ele se entristeceria se seus companheiros da caverna ficassem ainda
em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das coisas. Assim,
ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo da
ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido
como um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade
que eles pensam ser a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles
o desprezariam (...).
O texto de Platão pode iluminar alguns pontos das discussões
aqui apresentadas. Na situação da escola inclusiva, não são os alunos
surdos ou os alunos ouvintes os responsáveis por voltarem para a caverna
e tentarem convencer seus companheiros de que há uma outra realidade
possível de ser vivida, pois, afinal, são crianças e seria uma responsabilidade
bastante grande. Mas os profissionais envolvidos neste
trabalho, especialmente os intérpretes, os professores e os pesquisadores
conhecem outras realidades, a realidade da surdez, a realidade escolar,
e não podem se calar, sendo responsáveis por dar a conhecer os
limites e os problemas enfrentados nas “cavernas da inclusão”.
Sobre a educação de surdos
A questão da inclusão não é algo que envolve apenas a surdez,
mas se refere a uma reflexão mais ampla da sociedade, buscando formas
de melhor se relacionar com sujeitos de outra cultura, que falam
outra língua, que professam outra fé religiosa, entre outros. Trata-se de
um tema muito debatido atualmente e que busca refletir sobre formas
adequadas de convivência, ampliando os conhecimentos sobre a realidade
cultural do outro, sem restrição ou exigência de adaptação às regras
do grupo majoritário. Trata-se de uma discussão sobre os modos
de convivência dos grupos humanos nas suas diferenças que não é simples
e que não se mostra ainda bem resolvida, seja na esfera política,
religiosa, econômica ou educacional.
Nesse cenário, a educação dos surdos é um tema polêmico que
gera sempre debates acalorados, pois, de um lado, estão o respeito às
questões da diferença lingüística, à identidade surda, e os modos próprios
de relação cultural (apreensão do mundo) que os sujeitos surdos
têm; de outro lado, a preocupação com a inclusão deste grupo na comunidade
majoritária, respeitando suas diferenças e necessidades, mas
atentando para que não se constitua como uma comunidade à parte,
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Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
marginalizada. Este debate acaba se materializando na defesa, de um
lado, de escolas de surdos e, de outro, pela inserção do aluno surdo na
escola de todos.
Os dados deste estudo indicam o quanto um modelo, ainda que
considerado inclusivo por seus participantes, pode não ser nada inclusivo.
O aluno surdo, apesar de presente (fisicamente), não é considerado
em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um
sucesso. As reflexões apontam que a inclusão no ensino fundamental é
muito restritiva para o aluno surdo, oferecendo oportunidades reduzidas
de desenvolvimento de uma série de aspectos fundamentais (lingüísticos,
sociais, afetivos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem apoiados
nas interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de
uma língua comum impede a participação em eventos discursivos que
são fundamentais para a constituição plena dos sujeitos.
Desse modo, uma inclusão cuidadosa que levasse em conta os
vários aspectos aqui discutidos poderia ser proveitosa para alunos surdos
em níveis mais elevados de ensino, quando já tivessem melhor consolidado
seus conhecimentos de linguagem, sociais e afetivos, entre
muitos outros.
A experiência de inclusão parece ser muito benéfica para os alunos
ouvintes que têm a oportunidade de conviver com a diferença, que
podem melhor elaborar seus conceitos sobre a surdez, a língua de sinais
e a comunidade surda, desenvolvendo-se como cidadãos menos
preconceituosos. Todavia, o custo dessa aprendizagem/elaboração não
pode ser a restrição de desenvolvimento do aluno surdo. Será necessário
pensar formas de convivência entre crianças surdas e ouvintes, que
tragam benefícios efetivos para ambos os grupos.
Assim, para o aluno surdo, que deve cursar o ensino fundamental,
será efetivamente melhor uma escola na qual os conteúdos sejam
ministrados em sua língua de domínio, que ele tenha professores e
companheiros que partilhem com ele a língua de sinais, de modo a poder
se desenvolver o mais plenamente possível, como é oportunizado
para crianças ouvintes no ensino fundamental.
A tarefa é criar espaços educacionais onde a diferença esteja presente,
onde se possa aprender com o outro, sem que aspectos fundamentais
do desenvolvimento de quaisquer dos sujeitos sejam prejudicados. A
escola, para além dos conteúdos acadêmicos, tem espaço para atividades
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A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes...
esportivas, de lazer, de artes e de criação, nas quais poderiam conviver
crianças com diferentes necessidades, desde que as atividades fossem preparadas
e pensadas para isso. Não se trata de inserir a criança surda nas
atividades propostas para ouvintes, mas de pensar atividades que possam
ser integradoras e significativas para surdos e ouvintes.
Desse modo, este estudo procura revelar problemas implicados
em experiências de inclusão de alunos surdos, ainda que aparentemente
‘bem sucedidas’, indicando a necessidade de pensar um modelo
novo de escola e não de fazer caber o aluno surdo no modelo que já
está ai. Este modelo foi concebido para a semelhança e não para o acolhimento
das diferenças, e se a escola pretende acolher a diferença, ela
precisa ser repensada de modo a respeitar de fato as singularidades,
promovendo espaços de convivência e conhecimento mútuo.
Recebido em outubro de 2005 e aprovado em fevereiro de 2006.
Notas
1. Documentos produzidos em conferência mundial, da qual participaram várias representações
governamentais, além da UNESCO.
2. Breve resumo do mito descrito por Platão, com base no site
Acesso em: 29 abr. 2003.
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